O GUARANÁ
Há muitos anos, onde hoje é o Estado do Amazonas, Brasil, havia uma tribo indígena chamada maué ou sateré-mawé. Eram índios que apesar de pacíficos, tinham diversos inimigos, entre eles, os próprios homens brancos, além da tribo mundurucu, os apiacás, os kawahib-parintins, os andirazes e os muras. Dedicavam-se à caça, pesca e à agricultura, mas não podiam descuidar da proteção contra os seus inimigos e, por isso, eram hábeis guerreiros, respeitados por sua bravura e coragem.
Dentre todos os índios, havia um casal que tinha um filho muito bom, dedicado aos pais e a todos da tribo, muito alegre e saudável que procurava ajudar a todos que precisassem de ajuda em qualquer sentido. Estava sempre disposto a ajudar os próximos e, mesmo em combates, muitas vezes mortais, demonstrava compaixão e respeito para com os vencidos e nunca procurava humilhá-los ou escravizá-los. Basicamente os maué só lutavam para se defender porque estavam satisfeitos com o que Tupã lhes reservara e viviam felizes com isso sem necessidade de guerras para conquistar outras terras. Por eles, todos viveriam em paz.
Tudo indicava que o jovem índio se tornaria, no futuro, em um grande chefe indígena dada a sua sabedoria e serenidade ao tratar com os problemas seus e daqueles de sua tribo.
Isso despertou a ira de Jurupari, o deus do mal que, tomado por inveja, decidiu acabar com a vida do jovem guerreiro.
Jurupari, então, armou uma cilada para o jovem índio. Transformou-se em uma grande cobra e ficou esperando o índio que saíra para caçar. Aproximou-se, sorrateiramente do guerreiro, enroscando-o em um poderoso abraço, matando-o por asfixia. O maldoso deus Jurupari, satisfeito com a sua sórdida vingança, abandonou o corpo do rapaz ali mesmo para que predadores da floresta acabassem com ele não deixando, desta forma, qualquer sinal de seu ato traiçoeiro.
Jurupari não sabia, no entanto, que os animais da floresta eram, também, amigos do jovem índio e, reuniram-se em torno do corpo do rapaz impedindo que qualquer predador se aproximasse.
Os pais do jovem índio esperaram o dia inteiro e o rapaz não voltou da caçada. A noite chegou e com ela uma bela lua cheia que iluminava toda a floresta como que os convidando a procurarem por seu amado filho.
Mesmo assim, os pais esperaram por toda a noite e decidiram, de manhã, sair, com outros guerreiros, à procura de seu filho. Não precisaram andar muito e, em uma clareira, cercado pelos animais da floresta, encontraram o corpo inerte de seu filho querido.
Imediatamente uma forte tempestade desabou sobre o local. Uma enorme quantidade de raios era acompanhada por retumbantes trovões anunciando a todos a tragédia. Repentinamente, um raio caiu a apenas alguns metros do corpo do rapaz. A índia-mãe, mesmo em prantos, reconheceu ali o desejo de Tupã e, voltando-se para o seu marido e para os demais membros da tribo disse-lhes:
– Eu tive uma visão. Tupã manifestou-se através desse raio ordenando que enterremos os olhos do meu filho neste local porque aí nascerá uma poderosa planta, uma fruteira, que será a felicidade de nosso povo.
Então, os pais do jovem índio morto enterraram os olhos de seu filho naquele local e, apenas alguns dias depois, nasceu uma bela planta que dava frutos deliciosos. Era o guaranazeiro que, com seus frutos, alimenta e prolonga a vida das pessoas.
É por isso que os frutos do guaraná são sementes negras rodeadas por uma película branca, muito semelhante a um olho humano e os maué são um povo reconhecido por sua longevidade.
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LOUISE
(Este é um conto de ficção e qualquer semelhança com pessoas será mera coincidência).
Aos vinte e dois anos de idade, Louise era uma moça bonita.
Morena com belos olhos da cor de amêndoas, cabelos negros um pouco abaixo dos ombros e um belo corpo. Cintura fina, pernas bem definidas e um andar balançado faziam com que a jovem chamasse a atenção dos homens por onde ela passasse.
Cursava o quarto ano do curso de direito em uma conceituada faculdade, filha de pais equilibrados que pertenciam à classe média alta, frequentava os melhores restaurantes e festas da sociedade de sua cidade. Tudo parecia perfeito e promissor para aquela jovem, mas, surpreendentemente, ela não estava satisfeita e, por mais incrível que pudesse parecer, sua insatisfação era justamente com o que tinha de mais belo: o seu corpo.
Uma hora ela se olhava no espelho e achava que estava magra, num outro momento, se achava um pouco gorda. Achava que poderia diminuir os quadris ou, em outra ocasião, pensava em aumentá-los.
Será que suas pernas estavam um pouco finas? Sim! – Pensava – talvez pudesse torneá-las um pouco mais.
O fato era, no entanto, que tudo estava em seu devido lugar, nada sobrava ou faltava, mas a moça não estava satisfeita.
Luana era uma das amigas de Louise e, como ela, muito bonita.
Já fazia alguns meses que as duas não se encontravam porque Luana estava estudando em outra cidade e, sendo assim, raramente se viam.
Um dia, em um shopping center, as duas se encontraram. Luana estava muito malhada, levemente musculosa e com o corpo todo esculpido pelos exercícios da academia.
As duas conversaram durante algum tempo tendo Louise extravasado suas insatisfações com o seu corpo e, ao se despedirem, Luana sugeriu a Louise que, se quisesse eliminar todos “defeitos” que tivesse em seu corpo, contratasse um “personal trainer” para que ela pudesse malhar como quisesse.
Claro que Louise já frequentava uma academia, mas achava que o tempo que dedicava aos exercícios físicos era suficiente. Já tinha reparado em algumas moças que tinham os músculos avantajados e não achara bonito, mas, desta vez tinha sido diferente. Luana estava muito bonita. Será que era pelo simples fato de que eram amigas e aquilo lhe tinha despertado alguma inveja? Não, Louise jamais admitiria aquilo, mas era a pura verdade.
Os dias passavam e a sugestão da amiga não saía da cabeça da jovem. Um “personal trainer”? Ora, por que não?
No dia seguinte Louise procurou Adam, um “personal trainer” que dava aulas para algumas garotas que frequentavam a sua academia.
Explicou ao rapaz o que queria e ele, prontamente, ambicionando ter mais uma aluna, o que significaria mais dinheiro para si, disse-lhe que o ela queria era absolutamente possível e que não levaria muito tempo.
A moça contratou o “personal” que lhe preparou um programa de treinamentos muito mais intenso do que o que ela já vinha fazendo e que, certamente, daria resultados muito mais saltitantes aos olhos.
Louise se empolgou com as promessas de Adam e começou a sessão de exercícios puxados que faziam com que ela sentisse que seus músculos começavam a responder fazendo com que o seu corpo fosse mudando lentamente.
Quatro meses depois as transformações na jovem já eram visíveis. Estava, de fato, com o corpo mais definido, a cintura mais fina… mas ela queria mais. Muito mais.
Por conta própria passou a frequentar a academia duas vezes por dia. Logo cedo malhava com a atenção do “personal trainer” e, à noite, voltava à academia e repetia todos os exercícios que fizera na parte da manhã. Dessa forma, ela já passava cerca de quatro horas por dia fazendo exercícios físicos. A transformação em seu corpo era visível, mas a moça não estava satisfeita.
Louise passou, então, a se interessar por anabolizantes e esteroides. Seu padrão de beleza mudou sem que ela percebesse e, as moças musculosas que, antes, ela considerava feias passaram a lhe parecer mais bonitas e o modelo a ser seguido.
Adam lhe dava conselhos para não tomar as drogas e ela jurava que não estava tomando mas consumia-as compulsivamente.
O corpo de Louise já não se parecia, nem de longe, com o que era há apenas sete ou oito meses, agora, ela estava extremamente musculosa, seu andar ficara masculinizado e ela já não dava atenção a mais nada a não ser a musculação.
Trancou a faculdade de direito e passou a consumir proteínas em excesso. Lia tudo o que dizia respeito ao culto ao corpo e adotava procedimentos condenados por todos os especialistas no assunto.
Daí a passar a consumir efedrina (um estimulante) e suplementos como a carnitina (nutriente de extrema eficiência que ajuda o corpo a produzir mais energia) foi um passo, mas o corpo cobrou um preço: a saúde de Loise começava a ficar comprometida.
Louise, apesar de aparentar uma excelente forma física começou a sentir cansaço, inapetência, insônia, ritmo cardíaco acelerado mesmo quando em repouso, dores musculares, tremores e desinteresse total por qualquer outra atividade em seu cotidiano. A jovem estava totalmente tomada pelo desejo de ficar cada vez mais e mais forte.
O alarme soou para a família. Os pais, que há muito tempo vinham aconselhando-a a diminuir o frenético ritmo de exercícios físicos decidiram que era hora de levar a moça a um psicólogo.
Louise, a princípio, resistia e, mesmo visivelmente doente, praticamente não saía da academia e não ouvia conselhos de ninguém. Adam, o “personal trainer”, há muito tempo tinha desistido dela, não sem antes avisar a direção da academia e os próprios familiares da moça.
Um dia, Louise não conseguiu levantar-se da cama. Seu corpo fora tomado por espasmos, ela vomitava constantemente e delirava. Ela estava prestes a entrar em coma.
Levada às pressas para um hospital foi diagnosticada com a síndrome de Adônis ou vigorexia, um tipo de transtorno obsessivo compulsivo que leva a pessoa a dedicar-se unicamente ao culto do físico esquecendo-se de todo o resto.
O tratamento de Louise começou com um psiquiatra mas logo exigiu o concurso de profissionais multidisciplinares, tais como, psicoterapeuta, nutricionistas, preparador físico e outros.
Louise entrou em depressão e, após um longo tempo de tratamento e o total apoio da família conseguiu sair do estado de prostração.
Hoje ela ainda faz exercícios físicos mas nunca mais poderá abandonar o tratamento psicoterápico e, talvez, um dia, consiga retomar a sua faculdade de direito.
LONGEVIDADE
Lagoa Bonita é uma pequena cidade de um importante estado do sul do Brasil onde a maioria dos moradores é descendente dos habitantes dos países nórdicos. Um lugar frio, onde as temperaturas no inverno costumam chegar aos quinze graus negativos e, no verão, jamais ultrapassam os doze graus, atraiu, no passado, dinamarqueses, noruegueses, suecos e até alemães para lá.
Com não mais de quatorze ou quinze mil habitantes, a cidade é um lugar pacato, bastante arborizado, com uma característica muito peculiar: os seus habitantes costumam viver mais de cem anos.
Isso tem atraído a atenção de cientistas de boa parte do mundo porque, mesmo nos países de onde vieram os atuais moradores de Lagoa Bonita a população não costuma ser tão longeva.
Alguns atribuem tal fato ao consumo regular, porém não exagerado de vinhos, outros ao clima agradabilíssimo da região, um terceiro grupo à completa inexistência de poluição e assim, diversas teorias se formam para explicar a vida longa dos moradores da bela e pacata Lagoa Bonita.
O nome da cidade, como se poderia esperar, é uma homenagem a uma bela lagoa, não muito grande, porém de águas muito claras à volta da qual foram construídas as primeiras casinhas de madeira do povoado.
No inverno, a visibilidade no local não passa de alguns metros devido a uma incrível concentração de neblina levando alguns a verem-na como um pedacinho dos fiordes ou das florestas da Alemanha.
No meio da intensa vegetação local destaca-se uma planta muito bonita e que costuma viver mais de mil anos, é o Ginkgo Biloba que, conforme a estação do ano adquire cores diferentes atribuindo ao lugar ainda mais ares de beleza e de mistério. Essa espécie vegetal é originária da Ásia e ninguém sabe, ao certo, como ela foi aparecer ali.
Claro, alguns já chegaram a imaginar que essa árvore fosse a causa da longevidade das pessoas do local, mas nunca ninguém conseguiu provar nada.
Dentre os habitantes do lugar há um casal de meia idade, em torno dos quarenta e poucos anos, muito simpáticos, prestativos e que, é claro, todos na cidade conhecem, são Álex e Wilma. São alguns dos pouquíssimos moradores da cidade que não tem descendência europeia: são brasileiríssimos, pelo menos é isso que todos sabem.
Álex é biólogo e farmacêutico, profundo conhecedor de plantas e fabricante de remédios da medicina homeopática, proprietário de uma pequena farmácia que atende a todos do lugar.
Wilma é médica, clínica geral. Atende a população inteira da cidade com uma incrível gentileza e jamais perdeu um paciente por óbito.
Ambos, como não poderia deixar de ser são muito queridos na cidade.
Um certo dia apareceu em Lagoa Bonita uma jornalista, bonita que fora mandada por um grande órgão da mídia para fazer uma reportagem sobre a longevidade das pessoas do local. Seu nome era Amanda.
Logo a moça começou a entrevistar as pessoas, a visitar prédios antigos, lojas, e, é claro, a única farmácia homeopática do local, onde conheceu Álex, o proprietário e sua esposa Wilma que tinha seu consultório justamente no mesmo prédio. Tudo muito simples, mas muito bem organizado e incrivelmente limpo.
Amanda, sempre gentil e sorridente, afinal precisava ganhar a confiança dos habitantes do lugar, procurou conquistar a amizade do casal Álex e Wilma haja vista que, ao que parecia, conheciam toda a população local. Nada mais útil.
Sendo assim, em pouco tempo, Amanda já fazia parte do círculo mais próximo de amigos do casal e, em um jantar em sua pequena e modesta casa, conjugada à farmácia/consultório, no qual a refeição fora regada a um vinho delicioso (produzido ali mesmo) a moça perguntou há quanto tempo moravam em Lagoa Bonita.
– Moramos aqui há bastante tempo. Não verdade, nem me lembro mais quando foi que chegamos aqui. – Respondeu Wilma sempre com um sorriso amigável no rosto.
Bem, pensou Amanda, não poderia ser tanto tempo porque, afinal, o casal não era tão velho assim.
A jornalista acabou se interessando, em particular, pelo dois e começou a fazer perguntas pela cidade. O que a deixava incomodada era o fato de que ninguém sabia, ao certo, quando aquele casal tinha chegado à cidade, sabiam, isso sim, que eram muito educados, ajudavam a todos e estavam sempre sorridentes e de bem com a vida.
Em frente à modesta residência de Álex e Wilma (o casal não tinha filhos) havia dois pés de Ginkgo Biloba. Árvores grandes e frondosas.
Alguns diziam que deveriam ter algumas centenas de anos. O fato é que, dizem os moradores, sempre estiveram ali.
Após alguns dias de muita pesquisa, entrevistas, fotos, incursões pelas florestas, muita meditação à beira da belíssima lagoa, a jornalista resolveu voltar para a sua cidade e, na redação, preparar alguma matéria que tentasse justificar a longevidade das pessoas da cidade.
E, de fato, foi o que ela fez. Redigiu uma bela matéria sobre o assunto, atribuindo a vida longa dos moradores de Lagoa Bonita, como sempre faziam aqueles que tentavam explicar o fato, às condições de vida, clima, paz, etc. que ali havia.
Nem uma palavra sobre Álex, Wilma ou o Ginkgo Biloba.
Mais alguns anos se passaram e, em Lagoa Bonita, nada mudava, exceto por um pequeno detalhe que passava desapercebido a todos, ou melhor, a quase todos.
Em frente à farmácia, residência e consultório de Álex e Wilma morava um senhor idoso, longas barbas brancas e cabelos igualmente brancos, mas, impecavelmente, muito bem cuidados.
Todos os dias ele cumprimentava o casal que respondia com gestos e palavras amigáveis. Nunca passava disso. Anos a fio aquilo se repetia.
Seu nome era Athor, de origem dinamarquesa e que vivia ali, naquela casinha há mais de oitenta anos.
Ele era a memória viva da cidade. Conhecia todos e sabia de tudo.
O detalhe que ninguém, exceto Athor, notava era que os dois pés de Ginkgo Biloba estavam secando, aparentando deterioração, mas, isso parecia normal a todos os moradores, afinal, tudo envelhece e morre.
Normal para todos, mas não para Athor. Ele era o único que percebia que, junto com os pés de Ginkgo Biloba, também Álex e Wilma começavam a dar sinais de cansaço e envelhecimento.
O processo se acelerou vertiginosamente e, dentro de alguns meses, os dois, outrora belos, pés de Ginkgo Biloba eram duas árvores mortas, em pé.
A farmácia amanheceu fechada em plena segunda-feira. A médica não apareceu em seu consultório e o casal nunca mais foi visto na cidade.
Athor aproximou-se das duas árvores, agora mortas, e depositou aos pés de cada uma, alguns ramos de flor-de-lótus brancas.
Em toda a cidade de Lagoa Bonita ainda existem muitas árvores de Ginkgo Biloba e seus habitantes continuam vivendo mais de cem anos.
THAÍS
O celular toca suavemente e uma mão delicada, de longas unhas muito bem tratadas, pintadas com um chamativo esmalte vermelho, apanha-o e o leva até o ouvido da bela loura.
A jovem joga os longos e sedosos cabelos para o lado e, calmamente, diz:
– Alô!
– Gostaríamos de falar com a Drª. Thaís de Albuquerque, por favor.
– Está falando.
– Aqui é da High Mountain Investments Company. Queremos informar-lhe que foi aprovada na entrevista para o cargo de Gerente de Negócios para o Brasil. Gostaríamos que comparecesse amanhã, às 09,00 h, na sede de nossa empresa, por favor.
– Claro. Muito obrigada!
Com um sorriso de felicidade, Thaís colocou o seu celular na bolsa de marca, pegou as chaves de seu carro e saiu. Precisava ir ao salão de beleza, afinal, tinha que causar uma ótima primeira impressão naquele que era o emprego dos sonhos para a jovem que, recentemente, concluíra o doutorado em Economia em uma das melhores Universidades do Planeta.
No dia seguinte, pontualmente às 09,00 h, vestindo um elegante tailleur azul claro, Thaís se apresenta ao Diretor de Negócios para o Brasil da multinacional. De fato, causa uma ótima impressão.
Fluente em diversos idiomas, com uma formação acadêmica invejável e uma alta performance quando requerida a inteligência emocional, a moça logo começa a adquirir a confiança dos seus superiores. Desmancha-se em gentilezas e mimos, trabalha até muito tarde todos os dias e está sempre com um sorriso nos lábios, pronta para esbanjar simpatia. Com os subordinados, no entanto, a moça parece outra pessoa. É ríspida, não admite erros e cobra tudo a cada minuto do dia. Cada trabalho feito por um dos seus funcionários é criticado e, jamais alguém, a não ser, é claro, que seja um dos diretores do grupo, recebe, dela, um elogio.
Thaís tem outros planos.
O diretor para negócios para a América do Sul é um jovem de pouco mais de trinta anos, extremamente dedicado ao serviço e, também de excelente formação profissional. Allan é o seu nome e ele é muito bem visto por todos os diretores.
Thaís não gosta dele. Ela quer o seu cargo.
Bolando um ardiloso e sujo plano, a jovem começa a inventar fofocas em relação ao talentoso Allan e, como uma mentira contada mil vezes se transforma em verdade, a situação de Allan se complica a tal ponto que a diretoria se vê forçada a demiti-lo e, naturalmente, como já vinha se insinuando há muito tempo, Thaís é convidada para assumir o cargo.
A jovem, a princípio, mostra-se satisfeita com o que tem. Agora precisa viajar com muita frequência, mas, após algum tempo, eis que a ambição novamente começa a atiçar o seu ego. Ela, novamente, busca uma posição mais alta e, para consegui-la, não hesitará em pisar em qualquer um que esteja em seu caminho. Novamente a moça com suas intrigas e gentilezas corretamente direcionadas vai galgando postos na High Mountain Investments Company e, alguns anos mais tarde, ela se vê trabalhando em Wall Street como uma das principais executivas do grupo, membro da diretoria internacional. Nova York, agora, é a sua cidade.
Tudo, no entanto, tem um preço e, algumas vezes, a conta chega sem nem sequer percebermos.
Thaís, agora, já tinha quarenta anos e algo começou a despertar em seu interior. Uma coisa em que ela jamais havia pensado, nunca lhe dedicara um só segundo de sua vida, mas que, ultimamente, vinha lhe aflorando ao pensamento com incrível frequência: a maternidade.
É claro que, ao longo de sua vida, ela teve diversos relacionamentos amorosos, mas sempre deixava os parceiros à beira da estrada quando percebia que eles não serviriam como degraus para atingir os objetivos e planos que traçara em sua vida. Agora, no entanto, era diferente. Via-se só, sem ter um vínculo afetivo com nenhum homem e as rugas começando a lhe aparecer no rosto.
Havia Edgar, um economista que trabalhava no mesmo andar que ela que e já lhe tinha dirigido alguns olhares há algum tempo, mas, ora, ele era apenas um economista, isso não lhe traria nenhuma vantagem profissional.
Sendo assim, ela começou a procurar um parceiro que estivesse, digamos, à sua altura. O problema era que ninguém, na opinião da moça, estava nessa condição. E ela desprezava todos os pretendentes, um após o outro.
O desespero chegou e Thaís já não ostentava a beleza e o charme de alguns anos atrás e, por isso, já não chamava tanto a atenção como gostaria, mas, isso era só porque os homens que ela atraía não serem do “quilate” que ela pretendia e, sendo assim, ela começou a se achar infeliz e feia, muito embora continuasse muito bonita.
Bem, ainda havia Edgar. Thaís, então, mesmo a contragosto, decidiu dar uma chance ao rapaz, afinal, o presidente da empresa era casado e muito bem casado.
Aos quarenta e cinco anos, portanto, Thaís subiu ao altar com Edgar. A ansiedade por um filho era tanta que ela não escondeu do seu, agora, marido.
O destino, no entanto, costuma pregar peças e Thaís, simplesmente, não conseguia engravidar. Aos quarenta e cinco anos, ou até mais, muitas mulheres conseguem gerar uma criança em seu ventre e dar à luz sem maiores problemas, mas, com Thaís, não acontecia nada.
A jovem, é claro, no primeiro momento culpou o marido.
Consultado um especialista Edgar foi declarado em perfeitas condições de saúde e apto para fecundar uma mulher sem nenhuma contraindicação.
Sendo assim, só restava a Thaís procurar, também, um especialista.
A resposta foi dura: a sua capacidade de produção de óvulos tinha diminuído drasticamente e, o que era pior, mesmo aqueles que ela ainda produzia tinham sérios defeitos em seu cromossoma e, por isso, mesmo que ela engravidasse, a possibilidade de abortos espontâneos era altíssima. Para completar o desespero da mulher o médico ainda proferiu a frase que a perseguiria pelo resto da vida: “se você tivesse tentado alguns anos mais cedo certamente teria engravidado sem nenhum problema”.
Com esse diagnóstico a vida da outrora audaciosa e talentosa economista começou a andar para trás.
Thaís tornou-se dispersa, a depressão tomou conta de sua vida, uma grande tristeza invadiu o seu coração e ela já não conseguia se concentrar no trabalho.
Como consequência, foi demitida da empresa e, hoje, vivendo das economias que fez ao longo da vida, ainda consegue levar uma vida materialmente confortável.
Todas as tardes ela vai a um parquinho próximo ao condomínio de luxo em que mora e fica observando as criancinhas brincando com suas mães, correndo pra lá e pra cá, caindo levantando, chorando e sorrindo.
Thaís olha para uma menininha lourinha, de cachinhos e trancinhas e não pode deixar de pensar:
“Como eu gostaria que você fosse minha filha”!
Implacavelmente, algumas lágrimas começam a descer pelo seu rosto.
O BOTO
São Gonçalo do Rio Abaixo é um lugarejo perdido no meio da floresta amazônica. Não é exatamente um município, mas o povo de lá vive dizendo que “São Gonçalo é minha cidade”, “eu nasci em São Gonçalo”, essas coisas que demonstram o orgulho que o povo sente do seu lugar, sua terra natal.
É um povoado pequenino com pouco mais de cento e vinte pessoas, mas tem uma característica muito interessante: é um lugar de mulheres bonitas. As moças do povoado costumam ser morenas, cabelos longos abaixo da cintura, negros como uma noite sem luar e lisos como as águas do rio Cariaí, palavra indígena que significa belo e elegante. Foi nesse rio que alguém se inspirou para colocar o nome do lugar, mas isso foi há muito tempo, há tanto tempo que ninguém se lembra mais.
O que as belas moças do lugar não esquecem é a história do rapaz bonito, conquistador, excelente dançarino e de voz mansa e agradável que costuma aparecer nas festas tradicionais. Todo mundo conhece a história, e, sempre que acontece uma festa popular na cidade, dessas do tipo São João, todos os Santos, Dia de Reis, etc. ele aparece. É só a sanfona começar a tocar que as moçoilas do lugar já ficam esperando ele aparecer. E ele vem. Sempre vem.
Foi assim, na última festa de São João.
Quitéria estava toda bonita!
Tinha colocado um vestido cor de rosa com um lacinho na cabeça, um cinto vermelho na cintura e um sapatinho que era uma joia, de cor vermelha pra combinar com o cinto. Caprichou na maquiagem e colocou uns brincos dourados, vistosos, bem grandes.
Tião chegou todo faceiro e convidou a moça pra dançar a quadrilha, mas ela não quis. “Tava esperando uma pessoa”.
Tião saiu, sem graça. Pra ele a festa acabou ali. Para um rapaz de São Gonçalo, receber um “não” de uma moça como resposta a um convite para uma dança era uma humilhação muito grande e Tião se recolheu num canto e se danou na cachaça. Também, fazer o que?
Quitéria tinha ouvido a história da boca de Aparecida e de Maria Joana. Todas duas tinham tido um encontro com um rapaz bonito, vestido de branco que apareceu de repente e convidou as duas pra dançar. Uma de cada vez, é claro.
A noite foi passando e Quitéria tava num pé e noutro, angustiada porque o seu príncipe encantado não tinha aparecido ainda.
Mas ele chegou.
Andar maneiro, chapéu branco com a aba baixa de tal forma que encobria o rosto. Aproximou-se de Quitéria e, com uma voz de conquistador, perguntou:
– A bela senhorita me concede a imensa honra dessa dança?
Tremendo do jeito que estava, Quitéria não disse nem sim, nem não. Apenas estendeu a mão esquerda para o sujeito que, educadamente, beijou-a e conduziu a jovem para o meio do salão.
Ele dançava que era uma maravilha e Quitéria não deixava por menos! Acompanhava o jovem em todos os passos.
Quitéria notou que ele tinha um nariz grande, desproporcional até, mas, ora, quem estava ligando pra nariz naquele momento?
Em pouco tempo as pessoas pararam para admirar aquele belo casal dançando com desenvoltura e magia no salão.
Aparecida e Maria Joana também estavam no salão. De pé, num canto, cochichando o tempo todo. Demonstravam claramente que estavam se roendo de inveja. Afinal, elas conheciam aquele rapaz muito bem, de outras festas.
Lá pelas tantas da noite o rapaz convidou Quitéria pra respirar um pouco de ar fresco, afinal, estava fazendo muito calor dentro do salão.
Quitéria concordou sem pestanejar. Sem ela perceber ele a foi conduzindo em direção ao rio. Caminhando devagarinho, falando mansinho, de vez em quando dava um cheirinho no cangote da bela morena que ficava toda arrepiada.
Sem perceber, Quitéria estava dentro do rio com o rapaz e foi ali que tudo aconteceu.
Após umas duas horas dentro d’água, Quitéria se lembrou que não sabia nem o nome do belo acompanhante e, então, perguntou:
– Quem é você? Como é o seu nome?
– Eu sou de Caraí e o meu nome é Boto. – Respondeu o rapaz desaparecendo nas calmas águas do rio.
Quitéria saiu da água e percebeu que, na margem, estavam Aparecida e Maria Joana, as duas com uma barrigona de seis e oito meses de gravidez. Só então ela se lembrou que as duas tinham dito que os meninos que elas carregavam na barriga eram filhos do mesmo rapaz misterioso que elas tinham conhecido numa festa.
A VITÓRIA RÉGIA
Às margens do rio Amazonas, vivia uma pequena tribo de índios. Pacatos, dedicavam-se somente à caça e à pesca sem se preocuparem com guerras ou agressões por parte de outras tribos porque não tinham inimigos.
O pajé Uruá era um homem sábio, conhecedor dos segredos das plantas e valia-se desse conhecimento para ajudar a todos. Índios de quaisquer tribos vizinhas vinham buscar auxílio com ele nos casos das diversas enfermidades comuns na região amazônica.
Uruá atendia a todos com a mesma atenção e sempre conseguia a cura para aqueles que o procuravam. Isso trazia respeito para ele e sua tribo, razão porque não precisavam se preocupar com guerras.
Havia uma tradição na aldeia que consistia em entoar cânticos e realizar danças em homenagem a Jaci, a lua. Sempre que ela se mostrava por inteiro, em lua cheia, a aldeia fazia uma festa muito animada.
Naiá, a mais bela índia da tribo, tinha uma admiração muito especial por Jaci e o seu maior sonho era poder encontrar-se com ela, de perto, para lhe dar um beijo ou, talvez, deixar-se levar para nunca mais voltar, desfrutando, dessa forma, para sempre, da companhia tão almejada de Jaci.
Os mais velhos contavam estórias em volta das fogueiras. Diziam que, de vez em quando, Jaci descia à terra e escolhia uma índia para transformá-la em estrela. Naiá sonhava com o dia que seria escolhida por Jaci e, assim, ser a estrela mais brilhante do céu. Ficava horas e horas olhando para Jaci e nas noites em que o céu ficava estrelado imaginava-se como a maior estrela do firmamento.
O desejo de Naiá era tão grande que ela acreditava que, nos momentos em que Jaci ia descendo no horizonte, se ela fosse bastante rápida, poderia alcançá-la e, então, oferecer-se para ser transformada em estrela. Quem sabe Jaci a aceitaria?
Em uma noite em que Jaci se mostrava linda como nunca, Naiá decidiu que, daquela vez, iria ao seu encontro no horizonte para tentar realizar o seu sonho de se transformar em uma estrela.
À medida que Jaci ia descendo no horizonte Naiá ia ao seu encontro e, quando ela achou que daria para alcança-la saiu correndo em disparada em sua direção.
No meio do caminho havia um igarapé e Naiá viu, nele, o reflexo de Jaci. Inocentemente, a bela índia achou que ali estava ela, finalmente, e que, agora, poderia se jogar em seus braços e pedir para ser transformada em estrela.
Mas o igarapé era muito profundo e Naiá acabou morrendo afogada.
Jaci, percebendo aquilo, compadeceu-se pelos sentimentos da jovem índia e, em um gesto de agradecimento, transformou-a na bela flor da Amazônia chamada Vitória Régia.
O dia seguinte passou e os demais índios da tribo de Naiá, sentindo sua falta, saíram à sua procura.
Chegaram ao igarapé onde Naiá tinha se afogado e perceberam a bela e estranha flor. Ficaram intrigados, até que, com a chegada da noite, a bela Vitória Régia abriu suas pétalas sob a luz de Jaci.
Uruá, que estava presente, em um momento de oração teve uma visão que lhe mostrava que, ali, estava a bela índia Naiá que, finalmente, transformara-se em uma estrela, a mais bela de todas as flores da Amazônia. E, então, avisou aos demais índios da tribo que, quando quisessem falar com Naiá, fossem até o Igarapé, durante a noite, que ela estaria ali, esperando por todos.
Até hoje, em noites de lua cheia, a bela Vitória Régia abre suas pétalas oferecendo um espetáculo de beleza a todos que estiverem presentes.
IARA
Há muitos e muitos anos, havia uma tribo em um local remoto, às margens do rio Amazonas, formada por valorosos guerreiros e belas índias. Tão belas que a fama daquelas mulheres corria a floresta.
Entre elas, a mais bonita e formosa era IARA, jovem de longos cabelos negros abaixo da cintura e olhos da cor de mel. Seus lábios vermelhos e carnudos pareciam atrair os homens que a vissem, mesmo que de longe.
IARA teve muitos pretendentes, mas nenhum deles preenchia os requisitos que ela exigia. Os índios, desgostosos, muitas vezes decidiam acabar com a própria vida jogando-se nas profundas águas do rio ou partindo, sozinhos, em suas canoas, para uma viagem sem volta.
O tempo foi passando e IARA se aproveitava cada vez mais de sua beleza para dominar os homens que dela se aproximavam.
Juti era o mais valente guerreiro da tribo e se apaixonou perdidamente por IARA que, sabendo disso, passou a se exibir todos os dias na frente do jovem sem, no entanto, dar-lhe qualquer esperança de um relacionamento sério.
Juti caçava e lhe oferecia os melhores pedaços da caça. Pescava e lhe oferecia os melhores pescados. Colhia para ela as mais saborosas frutas da Amazônia, mas a bela índia não queria saber do jovem caçador.
Desgostoso, por ver que o seu amor não era correspondido, Juti mandou avisar a bela IARA que se ela não lhe desse uma oportunidade ele acabaria com a própria vida como já haviam feito muitos jovens guerreiros como ele.
Mas IARA tinha o coração duro e sequer lhe deu uma resposta.
Sendo assim, o jovem guerreiro decidiu oferecer a sua vida a Uruen, o deus das profundas águas do rio Amazonas e mergulhou para nunca mais voltar.
Todos os demais índios da aldeia foram procurar o corpo de Juti nas águas do rio, mas ninguém o encontrou. A única pessoa que não se compadeceu por Juti foi, justamente, a linda IARA.
Uruen, vendo que a jovem tinha muita maldade no coração, resolveu castigá-la.
Um dia, quando a bela índia banhava-se nas águas do rio Amazonas, sob a luz do luar, ele a transformou em uma sereia, peixe da cintura para baixo e mulher da cintura para cima e lhe disse que, assim como todos os pretendentes que ela desprezara terminaram seus dias nas profundezas de suas águas, ela também estava condenada a ali permanecer para sempre.
IARA não se conformou com aquilo e, sempre que um guerreiro banha-se nas águas do grande rio em noites de lua cheia, ela aparece.
Primeiro com um belo cantar que enfeitiça o rapaz. Depois, aproxima-se dele e, com um apaixonado beijo, leva-o para o fundo do rio de onde ele jamais voltará.
Muitas gerações se passaram e a história de Iara e Juti é sempre contada para os mais jovens quando os anciãos sentam-se em volta de uma fogueira.
Agora mesmo, nesta bela noite de lua cheia, estando às margens do magnífico rio amazonas onde me preparo para um suave banho em suas águas, me detenho, pois escuto um suave e encantador som vindo das profundezas de suas águas.
É uma bela voz feminina que entoa uma canção chamativa e apaixonada convidando-me para um mergulho a dois.
Pensando melhor, decido que prefiro deixar o banho de rio para uma outra ocasião.
O PADRE E O CAMINHONEIRO
Em um pequeno lugarejo, perdido no meio do sertão do nordeste do Brasil, uma família luta desesperadamente para sobreviver.
O lugar chama-se Canoa Perdida e é ali que vivem João, Josefina e Henrique. Pai, mãe e filho que formam a família Correia. O menino tem apenas 13 anos e ajuda o pai em todos os trabalhos na lavoura e caçadas com o que a família se mantém e consegue não passar fome.
O jovem Henrique ainda ajuda a mãe Josefina com as tarefas domésticas e, a mais difícil delas é conseguir água para as necessidades caseiras.
A três quilômetros de distância fica uma cacimba, que, na verdade, é um velho poço que, para a sorte da família nunca secou.
Todos os dias o menino sela “Carioca”, um jumentinho que ajuda a família há anos transportando algumas latas de água e levando e trazendo produtos para a lavoura de João. Ali ele planta milho, mandioca, feijão, alguns legumes e tomate.
A chuva é a coisa mais incerta que pode existir naquela região, de tal modo que a família depende totalmente da cacimba que, não se sabe como, existe ali naquela região “desde sempre”.
O menino Henrique, apesar de analfabeto como os pais, tem, digamos, um hobi, um pequeno passatempo, que é desenhar.
Uma vez um caminhão quebrou justo na frente do casebre da família Correia e, inexplicavelmente, o garoto se interessou pela mecânica do veículo, sem jamais ter visto um de perto e, para surpresa de todos, ajudou o motorista a consertar o motor dando, inclusive, algumas dicas valiosas para o homem.
O motorista vendo a habilidade do garoto e a facilidade que ele tinha com a mecânica e, diante a vida difícil que a família tinha, propôs aos pais levar o menino consigo prometendo que faria com que ele estudasse.
Os pais não quiseram e Henrique também não. Disse que seu lugar era ali em Canoa Perdida.
O motorista do caminhão, muito agradecido, procurou alguma coisa para dar à família e encontrou alguns mantimentos e uma caixa de lápis de cores e uma boa quantidade de folhas de papel em branco.
O menino não cabia em si de felicidade quando recebeu os lápis e as folhas de papel. Parecia que ele estava esperando por aquele presente há muito tempo.
O tempo passou, aquele motorista nunca mais voltou por aquelas bandas e Henrique passou a fazer os seus desenhos nas horas vagas que tinha, normalmente à noite, à luz de lamparinas a querosene ou mesmo sob a luz da lua.
Os pais ficavam intrigados com as coisas que o garoto desenhava. Eram objetos que ele nunca tinha visto e, o mais intrigante era uma pequena igreja que ele desenhava, mostrando mínimos detalhes, até mesmo a imagem de uma cruz na faixada do prédio e uma pequena escadaria que levava ao interior do santuário.
Desenhava os bancos, o confessionário, o teto e até o altar.
Os pais olhavam para os desenhos e perguntavam para o filho onde ele tinha visto aquilo e ele simplesmente respondia que já tinha visto muitas vezes aquela igreja com tudo o que ele registrava em seus desenhos que não eram simplesmente rabiscos, mas verdadeiras gravuras com uma riqueza de detalhes impressionante.
A família Correia não tinha vizinhos em um raio de mais de vinte quilômetros e, igreja só havia em Parinhos, uma cidade a setenta quilômetros dali e onde Henrique nunca estivera, mas, ele desenhava a igreja detalhadamente.
O tempo foi passando e, agora, após quatro anos sem chover, parecia que a meteorologia ia mudar e uma grande tempestade se anunciava no horizonte.
Ao anoitecer os relâmpagos e trovões começaram e uma chuva, a princípio fininha, começou a cair sobre a casinha dos Correia.
Só que a chuva foi aumentando e logo começou um vendaval que entrou noite a dentro e durou o dia inteiro, forte como nunca tinha acontecido naquela região.
Inacreditavelmente, devido a tanta água, um riacho começou a se formar a algumas centenas de metros de distância da casa da família e a chuva, cada vez mais forte, ia transformando o que, a princípio era apenas um curso d’água em um rio com uma correnteza considerável.
A tempestade durou o dia e a noite inteira e, finalmente, ao amanhecer do terceiro dia, o sol voltou a aparecer.
Canoa Perdida não era mais a mesma.
Toda a paisagem tinha se transformado e a casinha, como que por milagre, se manteve de pé.
Curiosos, os três saíram de casa para explorar as proximidades.
De repente, lá estava ela.
Uma construção de pedra, com uma cruz no topo, uma pequena escadaria levando para a entrada que, agora, já não tinha mais a porta. Todo o resto da construção estava inexplicavelmente intacto, até mesmo alguns bancos de madeira e, principalmente, o altar.
A chuva, a correnteza e o forte vendaval, desenterraram o prédio por completo mostrando o que, um dia, fora uma pequena igreja.
Os pais de Henrique reconheceram naquela construção os desenhos que o menino fazia e, sem saber o que dizer ou o que fazer, ficaram apenas olhando o seu filho entrando naquele prédio como se o conhecesse há muito tempo.
Henrique olhou para os pais e disse: este é o meu lugar e esta é a minha igreja. Vou trabalhar até que ela fique pronta de novo.
Pegando a mãe e o pai pelas mãos levou-os até um canto perto do altar e mostrou uma sepultura onde estava escrito Padre Henrique de Castro, 1775 a 1813. O sacerdote tinha morrido ali aos trinta e oito anos de idade.
– Eu fui o padre desta pequena capela e fui morto por homens que saquearam o altar levando as imagens da minha igreja. Estou enterrado aqui e é a minha missão dar vida novamente a este lugar.
O pai, assustado, perguntou:
– Como você sabe disso, meu filho?
– Fiquei sabendo no momento em que aquele caminhoneiro parou em nossa casa com o carro quebrado.
Foi ele quem enterrou o meu corpo aqui.
A MANDIOCA
Há muitos e muitos anos, uma determinada região da Amazônia passava por um severo período de estiagem. Normalmente úmida e com um dos maiores índices pluviométricos do planeta, aquela área, agora, vivia sob uma seca terrível que matava animais e plantas e espalhava a fome entre os índios que ali viviam. Árvores centenárias secavam a olhos vistos e morriam mesmo em pé. Carcaças de animais selvagens eram encontradas próximas a lugares onde, antes, corriam alegres igarapés onde viviam milhares de peixes. Ali, a abundância era comum. Jamais, em tempo algum, houvera uma situação de penúria e desespero como aquela.
Havia uma menininha na tribo chamada Mani. Graciosa e sorridente, era neta do cacique Aluan, muito querido por todos na tribo por ser um homem justo e muito preocupado com o bem-estar geral.
Mani gostava de brincar na aldeia com os outros indiozinhos e era amiga de todos os pássaros e animaizinhos da floresta, enfim, todos ali gostavam dela e, mesmo apesar de toda aquela situação de seca e de fome na aldeia, os adultos não deixavam que a menina sentisse fome ou sede e, do pouco que conseguiam sempre levavam alguma coisa para Mani se alimentar.
Um dia, sem nenhuma explicação, Mani, mesmo sem aparentar nenhuma doença faleceu repentinamente.
Os índios ficaram muito tristes e, segundo a tradição de sua tribo, enterraram o corpo da pequena Mani na própria oca em que vivia.
Virou costume, todos os dias, os índios irem à oca onde estava enterrada a menina para rezar por ela e, sempre, choravam sobre a sua sepultura.
Com o passar do tempo verificaram que uma plantinha estranha tinha nascido justamente no local onde estava enterrada a indiazinha. Deixaram que ela crescesse um pouco e, quando acharam que estava na hora certa, tiraram a planta para ver que espécie era aquela.
Os índios perceberam que se tratava de uma planta com uma grande raiz. Curiosos, decidiram cozinhar as raízes da plantinha, comeram e viram que era boa e saudável.
Começaram a replantar o vegetal por toda a aldeia e, em pouco tempo, havia alimento para todos porque a plantinha era bastante resistente à seca.
A partir daí, em homenagem à indiazinha Mani e ao local onde nasceu a plantinha, que tinha sido justamente a oca onde ela vivia e foi enterrada deram-lhe o nome de Manioca que, hoje, conhecemos como Mandioca.
Desde então, nunca mais houve seca ou fome naquela tribo indígena.
O ENCONTRO
Todos os dias Ronaldo cumpria um rigoroso ritual em sua vida.
Acordava às cinco horas, tomava um modesto café da manhã, pegava sua bicicleta e se dirigia para uma pequena colina que ficava a cerca de doze quilômetros de sua casa.
Ficava ali até o sol nascer como quem espera que algo venha com ele.
Lá pelas sete e meia da manhã ele voltava para sua casa pedalando sua “magrela”. Seu semblante era triste, ele parecia decepcionado com alguma coisa.
Chegava em casa e Lucinda não lhe perguntava nada. Não era necessário. Ela sabia o que se passava na cabeça de seu marido.
O casal, ambos na faixa dos seus cinquenta e poucos anos, não tinha filhos. Viviam em uma região rural, próximo a uma pequena cidade de vinte mil habitantes aonde só iam quando precisavam comprar alguma coisa.
Tinham algumas poucas cabras, galinhas, duas vaquinhas e uma pequena roça que ocupava o dia inteiro de Ronaldo.
A vida ia passando, a rotina se repetia diariamente e a tristeza do homem parecia não ter fim.
No passado um fato muito importante tinha acontecido ali, naquele lugar isolado, pelo menos era isso que o casal sustentava para todo mundo.
Ronaldo e Lucinda afirmavam que tinham visto e conversado com seres extraterrestres que os tinham visitado amigavelmente em uma ensolarada manhã de domingo.
O casal estava em casa e, repentinamente, observaram um forte clarão por trás da colina que Ronaldo visitava todos os dias.
Cada um pegou a sua bicicleta e foram ver do que se tratava.
É verdade que não tinham ouvido nenhuma explosão, mas – quem sabe? – um avião poderia ter caído ali e eles simplesmente não tinham ouvido nada. Mas viram. Disso tinham certeza.
Ao chegar ao local quase morreram de susto com o que se depararam.
Era uma grande nave espacial, redonda como um prato, brilhante e muito iluminada.
Quatro seres saíram dela e foram ao encontro do apavorado casal.
Não se ouvia nenhum som, mas Ronaldo e Lucinda entendiam tudo o que um dos visitantes queria. Na verdade, eles se comunicavam por telepatia e, lendo os pensamentos dos dois, antes mesmo que dissessem alguma coisa, a resposta já vinha dos estranhos seres que tinham uma aparência diferente, não se pareciam com humanos, a cabeça era um pouco ovalizada, olhos graúdos e de um azul intenso. Não tinham orelhas, mas, no resto, eram como nós. Tinham boca e nariz de tamanho proporcional às suas cabeças. Tinham em torno de um metro e noventa de altura.
E sorriam amistosamente para o casal!
Travou-se, ali, um estranho e silencioso diálogo.
– Olá, não tenham medo pois viemos em paz e somos seus amigos. – disse um dos visitantes.
– Quem são vocês? De onde são? O que querem? Vão nos machucar?
A apreensão de Ronaldo era visível, mas, a todo instante, “eles” procuravam tranquilizar o casal.
– Não se preocupem! Temos observado o seu planeta e o seu modo de viver e gostaríamos apenas que vocês levassem uma mensagem para as autoridades de sua cidade.
-Sim! Digam do que se trata.
– Avisem-nos que a possibilidade de uma guerra nuclear está cada vez mais evidente e, se isso acontecer, será uma grande catástrofe para o planeta terra e, também, para grande parte do sistema solar porque as radiações serão intensas, vão durar milhares de anos e atingirão outros planetas próximos de vocês, que são habitados e cujas existências sequer são do conhecimento de seus cientistas.
– No momento – continuou o ser de lindos olhos azuis – não vemos possibilidade de um contato nosso com suas autoridades pois estamos certos de que nos receberão com hostilidade e, só por esse motivo, ainda não nos aproximamos, mas nós os visitamos há milhares de anos. Lamentavelmente alguns dos seus mandatários estão trilhando para esse destino de uma guerra nuclear que será prejudicial a todos.
Dito isso, sempre com um amigável sorriso no rosto, os quatro deram meia volta e entraram em sua espaçonave que decolou verticalmente e desapareceu em questão de segundos.
Ronaldo e Lucinda, é claro, ficaram um bom tempo estupefatos com o que tinha acabado de acontecer até que se deram conta de que tinham uma missão a cumprir: precisavam avisar as autoridades.
De fato, dirigiram-se à cidadezinha, sempre de bicicleta, e foram imediatamente à delegacia de polícia.
Infelizmente, como já era de se esperar, foram recebidos com zombarias e ninguém lhes deu nenhum crédito, ou melhor, quase ninguém.
Um senhor idoso, com seus oitenta anos, cabelos abundantes e brancos como as nuvens, um discreto sorriso no rosto, algumas rugas e um jeito amistoso de falar que estava ali apenas porque fora levar um lanche para a sua neta, Jane, que era policial e saíra cedo de casa – eles moravam juntos em uma simpática casinha branca no centro da cidade – se aproximou do casal e lhes disse:
– Podemos conversar um pouco mais sobre isso?
Sem saber direito o que dizer ante a decepcionante recepção que tiveram na delegacia, Ronaldo aceitou o convite do homem que se chamava Elói e saíram do prédio.
Dirigiram-se para uma pequena pracinha e ali, sentados em um banco, Ronaldo e Lucinda lhe contaram tudo o que tinha acontecido.
– Eu acredito em vocês. – disse o velho.
– Obrigado! – respondeu Lucinda – mas o que vamos fazer agora se ninguém acreditou em nós? Só o senhor!
– Eu entendo a sua decepção, mas vamos torcer que uma solução vai aparecer.
A partir daquele dia, o velho Elói passou a visitar o casal Ronaldo e Lucinda em sua casa no campo e acabaram muito amigos.
Elói costumava confortar o casal sobre o que tinha acontecido dizendo-lhes que, se os extraterrestres nos visitavam há tempo, eles certamente teriam um plano para evitar que uma catástrofe acontecesse.
Dessa forma, a vida do casal prosseguia em sua rotina que só era quebrada quando as agradáveis visitas de Elói, que às vezes vinha acompanhado de sua neta, Jane, aconteciam. De resto, Ronaldo continuava a ir, todos os dias, sempre pela manhã, à colina na esperança de que, um dia, seus amigos de outros planetas voltassem.
E eles voltaram!
O casal estava cuidando de suas tarefas diárias em seu pequeno sitio quando, novamente, aquele clarão se repetiu.
O casal não precisou dizer nenhuma palavra um ao outro.
Pegaram a sua bicicleta e rumaram para o local.
Uma grande surpresa os esperava.
A nave estava lá, iluminada como nunca, os mesmos quatro personagens do evento anterior estavam, mas, desta vez, eles tinham companhia.
Ao lado dos visitantes estavam Elói e Jane e eles o chamaram com um largo sorriso no rosto.
Ronaldo e Lucinda estavam perplexos. O que era aquilo? Por que Elói e sua neta estavam lá.
– Venham aqui amigos! – desta vez Elói se comunicava com eles, mas por telepatia.
Então, tudo se esclareceu. Elói e Jane eram, também, extraterrestres.
– Não se preocupem! Nós lamentamos que não lhes tenham dado ouvidos, mas estamos vigilantes e não deixaremos que nenhum maluco deflagre uma guerra nuclear.
Lentamente as fisionomias de Elói e Jane foram mudando e, ante os olhares de Ronaldo e Lucinda, assumiram suas fisionomias normais de extraterrestres.
Deram-lhes de presente uma pedra verde, de um brilho intenso e lhes disseram:
– Isso é um dispositivo de comunicação e só funcionará se for ativado pelas suas vozes. Se algum dia precisarem verdadeiramente de ajuda, podem nos chamar e nós viremos.
Após isso, sempre sorridentes, deram meia volta, entraram em sua nave espacial e, a uma velocidade, inacreditável, desapareceram.
O GUARANÁ
Há muitos anos, onde hoje é o Estado do Amazonas, Brasil, havia uma tribo indígena chamada maué ou sateré-mawé. Eram índios que apesar de pacíficos, tinham diversos inimigos, entre eles, os próprios homens brancos, além da tribo mundurucu, os apiacás, os kawahib-parintins, os andirazes e os muras. Dedicavam-se à caça, pesca e à agricultura, mas não podiam descuidar da proteção contra os seus inimigos e, por isso, eram hábeis guerreiros, respeitados por sua bravura e coragem.
Dentre todos os índios, havia um casal que tinha um filho muito bom, dedicado aos pais e a todos da tribo, muito alegre e saudável que procurava ajudar a todos que precisassem de ajuda em qualquer sentido. Estava sempre disposto a ajudar os próximos e, mesmo em combates, muitas vezes mortais, demonstrava compaixão e respeito para com os vencidos e nunca procurava humilhá-los ou escravizá-los. Basicamente os maué só lutavam para se defender porque estavam satisfeitos com o que Tupã lhes reservara e viviam felizes com isso sem necessidade de guerras para conquistar outras terras. Por eles, todos viveriam em paz.
Tudo indicava que o jovem índio se tornaria, no futuro, em um grande chefe indígena dada a sua sabedoria e serenidade ao tratar com os problemas seus e daqueles de sua tribo.
Isso despertou a ira de Jurupari, o deus do mal que, tomado por inveja, decidiu acabar com a vida do jovem guerreiro.
Jurupari, então, armou uma cilada para o jovem índio. Transformou-se em uma grande cobra e ficou esperando o índio que saíra para caçar. Aproximou-se, sorrateiramente do guerreiro, enroscando-o em um poderoso abraço, matando-o por asfixia. O maldoso deus Jurupari, satisfeito com a sua sórdida vingança, abandonou o corpo do rapaz ali mesmo para que predadores da floresta acabassem com ele não deixando, desta forma, qualquer sinal de seu ato traiçoeiro.
Jurupari não sabia, no entanto, que os animais da floresta eram, também, amigos do jovem índio e, reuniram-se em torno do corpo do rapaz impedindo que qualquer predador se aproximasse.
Os pais do jovem índio esperaram o dia inteiro e o rapaz não voltou da caçada. A noite chegou e com ela uma bela lua cheia que iluminava toda a floresta como que os convidando a procurarem por seu amado filho.
Mesmo assim, os pais esperaram por toda a noite e decidiram, de manhã, sair, com outros guerreiros, à procura de seu filho. Não precisaram andar muito e, em uma clareira, cercado pelos animais da floresta, encontraram o corpo inerte de seu filho querido.
Imediatamente uma forte tempestade desabou sobre o local. Uma enorme quantidade de raios era acompanhada por retumbantes trovões anunciando a todos a tragédia. Repentinamente, um raio caiu a apenas alguns metros do corpo do rapaz. A índia-mãe, mesmo em prantos, reconheceu ali o desejo de Tupã e, voltando-se para o seu marido e para os demais membros da tribo disse-lhes:
– Eu tive uma visão. Tupã manifestou-se através desse raio ordenando que enterremos os olhos do meu filho neste local porque aí nascerá uma poderosa planta, uma fruteira, que será a felicidade de nosso povo.
Então, os pais do jovem índio morto enterraram os olhos de seu filho naquele local e, apenas alguns dias depois, nasceu uma bela planta que dava frutos deliciosos. Era o guaranazeiro que, com seus frutos, alimenta e prolonga a vida das pessoas.
É por isso que os frutos do guaraná são sementes negras rodeadas por uma película branca, muito semelhante a um olho humano e os maué são um povo reconhecido por sua longevidade.
PS: Você gostou deste conto?
Daria uma final diferente?
Deixe sua opinião aí em baixo ou, se preferir, entre em contato com o autor pelo whatsapp (61)99652-4328 ou envie uma mensagem pelo e-mail contato@afonsocelso.com.br que eu terei um imenso prazer em lhe responder.
LOUISE
(Este é um conto de ficção e qualquer semelhança com pessoas será mera coincidência).
Aos vinte e dois anos de idade, Louise era uma moça bonita.
Morena com belos olhos da cor de amêndoas, cabelos negros um pouco abaixo dos ombros e um belo corpo. Cintura fina, pernas bem definidas e um andar balançado faziam com que a jovem chamasse a atenção dos homens por onde ela passasse.
Cursava o quarto ano do curso de direito em uma conceituada faculdade, filha de pais equilibrados que pertenciam à classe média alta, frequentava os melhores restaurantes e festas da sociedade de sua cidade. Tudo parecia perfeito e promissor para aquela jovem, mas, surpreendentemente, ela não estava satisfeita e, por mais incrível que pudesse parecer, sua insatisfação era justamente com o que tinha de mais belo: o seu corpo.
Uma hora ela se olhava no espelho e achava que estava magra, num outro momento, se achava um pouco gorda. Achava que poderia diminuir os quadris ou, em outra ocasião, pensava em aumentá-los.
Será que suas pernas estavam um pouco finas? Sim! – Pensava – talvez pudesse torneá-las um pouco mais.
O fato era, no entanto, que tudo estava em seu devido lugar, nada sobrava ou faltava, mas a moça não estava satisfeita.
Luana era uma das amigas de Louise e, como ela, muito bonita.
Já fazia alguns meses que as duas não se encontravam porque Luana estava estudando em outra cidade e, sendo assim, raramente se viam.
Um dia, em um shopping center, as duas se encontraram. Luana estava muito malhada, levemente musculosa e com o corpo todo esculpido pelos exercícios da academia.
As duas conversaram durante algum tempo tendo Louise extravasado suas insatisfações com o seu corpo e, ao se despedirem, Luana sugeriu a Louise que, se quisesse eliminar todos “defeitos” que tivesse em seu corpo, contratasse um “personal trainer” para que ela pudesse malhar como quisesse.
Claro que Louise já frequentava uma academia, mas achava que o tempo que dedicava aos exercícios físicos era suficiente. Já tinha reparado em algumas moças que tinham os músculos avantajados e não achara bonito, mas, desta vez tinha sido diferente. Luana estava muito bonita. Será que era pelo simples fato de que eram amigas e aquilo lhe tinha despertado alguma inveja? Não, Louise jamais admitiria aquilo, mas era a pura verdade.
Os dias passavam e a sugestão da amiga não saía da cabeça da jovem. Um “personal trainer”? Ora, por que não?
No dia seguinte Louise procurou Adam, um “personal trainer” que dava aulas para algumas garotas que frequentavam a sua academia.
Explicou ao rapaz o que queria e ele, prontamente, ambicionando ter mais uma aluna, o que significaria mais dinheiro para si, disse-lhe que o ela queria era absolutamente possível e que não levaria muito tempo.
A moça contratou o “personal” que lhe preparou um programa de treinamentos muito mais intenso do que o que ela já vinha fazendo e que, certamente, daria resultados muito mais saltitantes aos olhos.
Louise se empolgou com as promessas de Adam e começou a sessão de exercícios puxados que faziam com que ela sentisse que seus músculos começavam a responder fazendo com que o seu corpo fosse mudando lentamente.
Quatro meses depois as transformações na jovem já eram visíveis. Estava, de fato, com o corpo mais definido, a cintura mais fina… mas ela queria mais. Muito mais.
Por conta própria passou a frequentar a academia duas vezes por dia. Logo cedo malhava com a atenção do “personal trainer” e, à noite, voltava à academia e repetia todos os exercícios que fizera na parte da manhã. Dessa forma, ela já passava cerca de quatro horas por dia fazendo exercícios físicos. A transformação em seu corpo era visível, mas a moça não estava satisfeita.
Louise passou, então, a se interessar por anabolizantes e esteroides. Seu padrão de beleza mudou sem que ela percebesse e, as moças musculosas que, antes, ela considerava feias passaram a lhe parecer mais bonitas e o modelo a ser seguido.
Adam lhe dava conselhos para não tomar as drogas e ela jurava que não estava tomando mas consumia-as compulsivamente.
O corpo de Louise já não se parecia, nem de longe, com o que era há apenas sete ou oito meses, agora, ela estava extremamente musculosa, seu andar ficara masculinizado e ela já não dava atenção a mais nada a não ser a musculação.
Trancou a faculdade de direito e passou a consumir proteínas em excesso. Lia tudo o que dizia respeito ao culto ao corpo e adotava procedimentos condenados por todos os especialistas no assunto.
Daí a passar a consumir efedrina (um estimulante) e suplementos como a carnitina (nutriente de extrema eficiência que ajuda o corpo a produzir mais energia) foi um passo, mas o corpo cobrou um preço: a saúde de Loise começava a ficar comprometida.
Louise, apesar de aparentar uma excelente forma física começou a sentir cansaço, inapetência, insônia, ritmo cardíaco acelerado mesmo quando em repouso, dores musculares, tremores e desinteresse total por qualquer outra atividade em seu cotidiano. A jovem estava totalmente tomada pelo desejo de ficar cada vez mais e mais forte.
O alarme soou para a família. Os pais, que há muito tempo vinham aconselhando-a a diminuir o frenético ritmo de exercícios físicos decidiram que era hora de levar a moça a um psicólogo.
Louise, a princípio, resistia e, mesmo visivelmente doente, praticamente não saía da academia e não ouvia conselhos de ninguém. Adam, o “personal trainer”, há muito tempo tinha desistido dela, não sem antes avisar a direção da academia e os próprios familiares da moça.
Um dia, Louise não conseguiu levantar-se da cama. Seu corpo fora tomado por espasmos, ela vomitava constantemente e delirava. Ela estava prestes a entrar em coma.
Levada às pressas para um hospital foi diagnosticada com a síndrome de Adônis ou vigorexia, um tipo de transtorno obsessivo compulsivo que leva a pessoa a dedicar-se unicamente ao culto do físico esquecendo-se de todo o resto.
O tratamento de Louise começou com um psiquiatra mas logo exigiu o concurso de profissionais multidisciplinares, tais como, psicoterapeuta, nutricionistas, preparador físico e outros.
Louise entrou em depressão e, após um longo tempo de tratamento e o total apoio da família conseguiu sair do estado de prostração.
Hoje ela ainda faz exercícios físicos mas nunca mais poderá abandonar o tratamento psicoterápico e, talvez, um dia, consiga retomar a sua faculdade de direito.
LONGEVIDADE
Lagoa Bonita é uma pequena cidade de um importante estado do sul do Brasil onde a maioria dos moradores é descendente dos habitantes dos países nórdicos. Um lugar frio, onde as temperaturas no inverno costumam chegar aos quinze graus negativos e, no verão, jamais ultrapassam os doze graus, atraiu, no passado, dinamarqueses, noruegueses, suecos e até alemães para lá.
Com não mais de quatorze ou quinze mil habitantes, a cidade é um lugar pacato, bastante arborizado, com uma característica muito peculiar: os seus habitantes costumam viver mais de cem anos.
Isso tem atraído a atenção de cientistas de boa parte do mundo porque, mesmo nos países de onde vieram os atuais moradores de Lagoa Bonita a população não costuma ser tão longeva.
Alguns atribuem tal fato ao consumo regular, porém não exagerado de vinhos, outros ao clima agradabilíssimo da região, um terceiro grupo à completa inexistência de poluição e assim, diversas teorias se formam para explicar a vida longa dos moradores da bela e pacata Lagoa Bonita.
O nome da cidade, como se poderia esperar, é uma homenagem a uma bela lagoa, não muito grande, porém de águas muito claras à volta da qual foram construídas as primeiras casinhas de madeira do povoado.
No inverno, a visibilidade no local não passa de alguns metros devido a uma incrível concentração de neblina levando alguns a verem-na como um pedacinho dos fiordes ou das florestas da Alemanha.
No meio da intensa vegetação local destaca-se uma planta muito bonita e que costuma viver mais de mil anos, é o Ginkgo Biloba que, conforme a estação do ano adquire cores diferentes atribuindo ao lugar ainda mais ares de beleza e de mistério. Essa espécie vegetal é originária da Ásia e ninguém sabe, ao certo, como ela foi aparecer ali.
Claro, alguns já chegaram a imaginar que essa árvore fosse a causa da longevidade das pessoas do local, mas nunca ninguém conseguiu provar nada.
Dentre os habitantes do lugar há um casal de meia idade, em torno dos quarenta e poucos anos, muito simpáticos, prestativos e que, é claro, todos na cidade conhecem, são Álex e Wilma. São alguns dos pouquíssimos moradores da cidade que não tem descendência europeia: são brasileiríssimos, pelo menos é isso que todos sabem.
Álex é biólogo e farmacêutico, profundo conhecedor de plantas e fabricante de remédios da medicina homeopática, proprietário de uma pequena farmácia que atende a todos do lugar.
Wilma é médica, clínica geral. Atende a população inteira da cidade com uma incrível gentileza e jamais perdeu um paciente por óbito.
Ambos, como não poderia deixar de ser são muito queridos na cidade.
Um certo dia apareceu em Lagoa Bonita uma jornalista, bonita que fora mandada por um grande órgão da mídia para fazer uma reportagem sobre a longevidade das pessoas do local. Seu nome era Amanda.
Logo a moça começou a entrevistar as pessoas, a visitar prédios antigos, lojas, e, é claro, a única farmácia homeopática do local, onde conheceu Álex, o proprietário e sua esposa Wilma que tinha seu consultório justamente no mesmo prédio. Tudo muito simples, mas muito bem organizado e incrivelmente limpo.
Amanda, sempre gentil e sorridente, afinal precisava ganhar a confiança dos habitantes do lugar, procurou conquistar a amizade do casal Álex e Wilma haja vista que, ao que parecia, conheciam toda a população local. Nada mais útil.
Sendo assim, em pouco tempo, Amanda já fazia parte do círculo mais próximo de amigos do casal e, em um jantar em sua pequena e modesta casa, conjugada à farmácia/consultório, no qual a refeição fora regada a um vinho delicioso (produzido ali mesmo) a moça perguntou há quanto tempo moravam em Lagoa Bonita.
– Moramos aqui há bastante tempo. Não verdade, nem me lembro mais quando foi que chegamos aqui. – Respondeu Wilma sempre com um sorriso amigável no rosto.
Bem, pensou Amanda, não poderia ser tanto tempo porque, afinal, o casal não era tão velho assim.
A jornalista acabou se interessando, em particular, pelo dois e começou a fazer perguntas pela cidade. O que a deixava incomodada era o fato de que ninguém sabia, ao certo, quando aquele casal tinha chegado à cidade, sabiam, isso sim, que eram muito educados, ajudavam a todos e estavam sempre sorridentes e de bem com a vida.
Em frente à modesta residência de Álex e Wilma (o casal não tinha filhos) havia dois pés de Ginkgo Biloba. Árvores grandes e frondosas.
Alguns diziam que deveriam ter algumas centenas de anos. O fato é que, dizem os moradores, sempre estiveram ali.
Após alguns dias de muita pesquisa, entrevistas, fotos, incursões pelas florestas, muita meditação à beira da belíssima lagoa, a jornalista resolveu voltar para a sua cidade e, na redação, preparar alguma matéria que tentasse justificar a longevidade das pessoas da cidade.
E, de fato, foi o que ela fez. Redigiu uma bela matéria sobre o assunto, atribuindo a vida longa dos moradores de Lagoa Bonita, como sempre faziam aqueles que tentavam explicar o fato, às condições de vida, clima, paz, etc. que ali havia.
Nem uma palavra sobre Álex, Wilma ou o Ginkgo Biloba.
Mais alguns anos se passaram e, em Lagoa Bonita, nada mudava, exceto por um pequeno detalhe que passava desapercebido a todos, ou melhor, a quase todos.
Em frente à farmácia, residência e consultório de Álex e Wilma morava um senhor idoso, longas barbas brancas e cabelos igualmente brancos, mas, impecavelmente, muito bem cuidados.
Todos os dias ele cumprimentava o casal que respondia com gestos e palavras amigáveis. Nunca passava disso. Anos a fio aquilo se repetia.
Seu nome era Athor, de origem dinamarquesa e que vivia ali, naquela casinha há mais de oitenta anos.
Ele era a memória viva da cidade. Conhecia todos e sabia de tudo.
O detalhe que ninguém, exceto Athor, notava era que os dois pés de Ginkgo Biloba estavam secando, aparentando deterioração, mas, isso parecia normal a todos os moradores, afinal, tudo envelhece e morre.
Normal para todos, mas não para Athor. Ele era o único que percebia que, junto com os pés de Ginkgo Biloba, também Álex e Wilma começavam a dar sinais de cansaço e envelhecimento.
O processo se acelerou vertiginosamente e, dentro de alguns meses, os dois, outrora belos, pés de Ginkgo Biloba eram duas árvores mortas, em pé.
A farmácia amanheceu fechada em plena segunda-feira. A médica não apareceu em seu consultório e o casal nunca mais foi visto na cidade.
Athor aproximou-se das duas árvores, agora mortas, e depositou aos pés de cada uma, alguns ramos de flor-de-lótus brancas.
Em toda a cidade de Lagoa Bonita ainda existem muitas árvores de Ginkgo Biloba e seus habitantes continuam vivendo mais de cem anos.
THAÍS
O celular toca suavemente e uma mão delicada, de longas unhas muito bem tratadas, pintadas com um chamativo esmalte vermelho, apanha-o e o leva até o ouvido da bela loura.
A jovem joga os longos e sedosos cabelos para o lado e, calmamente, diz:
– Alô!
– Gostaríamos de falar com a Drª. Thaís de Albuquerque, por favor.
– Está falando.
– Aqui é da High Mountain Investments Company. Queremos informar-lhe que foi aprovada na entrevista para o cargo de Gerente de Negócios para o Brasil. Gostaríamos que comparecesse amanhã, às 09,00 h, na sede de nossa empresa, por favor.
– Claro. Muito obrigada!
Com um sorriso de felicidade, Thaís colocou o seu celular na bolsa de marca, pegou as chaves de seu carro e saiu. Precisava ir ao salão de beleza, afinal, tinha que causar uma ótima primeira impressão naquele que era o emprego dos sonhos para a jovem que, recentemente, concluíra o doutorado em Economia em uma das melhores Universidades do Planeta.
No dia seguinte, pontualmente às 09,00 h, vestindo um elegante tailleur azul claro, Thaís se apresenta ao Diretor de Negócios para o Brasil da multinacional. De fato, causa uma ótima impressão.
Fluente em diversos idiomas, com uma formação acadêmica invejável e uma alta performance quando requerida a inteligência emocional, a moça logo começa a adquirir a confiança dos seus superiores. Desmancha-se em gentilezas e mimos, trabalha até muito tarde todos os dias e está sempre com um sorriso nos lábios, pronta para esbanjar simpatia. Com os subordinados, no entanto, a moça parece outra pessoa. É ríspida, não admite erros e cobra tudo a cada minuto do dia. Cada trabalho feito por um dos seus funcionários é criticado e, jamais alguém, a não ser, é claro, que seja um dos diretores do grupo, recebe, dela, um elogio.
Thaís tem outros planos.
O diretor para negócios para a América do Sul é um jovem de pouco mais de trinta anos, extremamente dedicado ao serviço e, também de excelente formação profissional. Allan é o seu nome e ele é muito bem visto por todos os diretores.
Thaís não gosta dele. Ela quer o seu cargo.
Bolando um ardiloso e sujo plano, a jovem começa a inventar fofocas em relação ao talentoso Allan e, como uma mentira contada mil vezes se transforma em verdade, a situação de Allan se complica a tal ponto que a diretoria se vê forçada a demiti-lo e, naturalmente, como já vinha se insinuando há muito tempo, Thaís é convidada para assumir o cargo.
A jovem, a princípio, mostra-se satisfeita com o que tem. Agora precisa viajar com muita frequência, mas, após algum tempo, eis que a ambição novamente começa a atiçar o seu ego. Ela, novamente, busca uma posição mais alta e, para consegui-la, não hesitará em pisar em qualquer um que esteja em seu caminho. Novamente a moça com suas intrigas e gentilezas corretamente direcionadas vai galgando postos na High Mountain Investments Company e, alguns anos mais tarde, ela se vê trabalhando em Wall Street como uma das principais executivas do grupo, membro da diretoria internacional. Nova York, agora, é a sua cidade.
Tudo, no entanto, tem um preço e, algumas vezes, a conta chega sem nem sequer percebermos.
Thaís, agora, já tinha quarenta anos e algo começou a despertar em seu interior. Uma coisa em que ela jamais havia pensado, nunca lhe dedicara um só segundo de sua vida, mas que, ultimamente, vinha lhe aflorando ao pensamento com incrível frequência: a maternidade.
É claro que, ao longo de sua vida, ela teve diversos relacionamentos amorosos, mas sempre deixava os parceiros à beira da estrada quando percebia que eles não serviriam como degraus para atingir os objetivos e planos que traçara em sua vida. Agora, no entanto, era diferente. Via-se só, sem ter um vínculo afetivo com nenhum homem e as rugas começando a lhe aparecer no rosto.
Havia Edgar, um economista que trabalhava no mesmo andar que ela que e já lhe tinha dirigido alguns olhares há algum tempo, mas, ora, ele era apenas um economista, isso não lhe traria nenhuma vantagem profissional.
Sendo assim, ela começou a procurar um parceiro que estivesse, digamos, à sua altura. O problema era que ninguém, na opinião da moça, estava nessa condição. E ela desprezava todos os pretendentes, um após o outro.
O desespero chegou e Thaís já não ostentava a beleza e o charme de alguns anos atrás e, por isso, já não chamava tanto a atenção como gostaria, mas, isso era só porque os homens que ela atraía não serem do “quilate” que ela pretendia e, sendo assim, ela começou a se achar infeliz e feia, muito embora continuasse muito bonita.
Bem, ainda havia Edgar. Thaís, então, mesmo a contragosto, decidiu dar uma chance ao rapaz, afinal, o presidente da empresa era casado e muito bem casado.
Aos quarenta e cinco anos, portanto, Thaís subiu ao altar com Edgar. A ansiedade por um filho era tanta que ela não escondeu do seu, agora, marido.
O destino, no entanto, costuma pregar peças e Thaís, simplesmente, não conseguia engravidar. Aos quarenta e cinco anos, ou até mais, muitas mulheres conseguem gerar uma criança em seu ventre e dar à luz sem maiores problemas, mas, com Thaís, não acontecia nada.
A jovem, é claro, no primeiro momento culpou o marido.
Consultado um especialista Edgar foi declarado em perfeitas condições de saúde e apto para fecundar uma mulher sem nenhuma contraindicação.
Sendo assim, só restava a Thaís procurar, também, um especialista.
A resposta foi dura: a sua capacidade de produção de óvulos tinha diminuído drasticamente e, o que era pior, mesmo aqueles que ela ainda produzia tinham sérios defeitos em seu cromossoma e, por isso, mesmo que ela engravidasse, a possibilidade de abortos espontâneos era altíssima. Para completar o desespero da mulher o médico ainda proferiu a frase que a perseguiria pelo resto da vida: “se você tivesse tentado alguns anos mais cedo certamente teria engravidado sem nenhum problema”.
Com esse diagnóstico a vida da outrora audaciosa e talentosa economista começou a andar para trás.
Thaís tornou-se dispersa, a depressão tomou conta de sua vida, uma grande tristeza invadiu o seu coração e ela já não conseguia se concentrar no trabalho.
Como consequência, foi demitida da empresa e, hoje, vivendo das economias que fez ao longo da vida, ainda consegue levar uma vida materialmente confortável.
Todas as tardes ela vai a um parquinho próximo ao condomínio de luxo em que mora e fica observando as criancinhas brincando com suas mães, correndo pra lá e pra cá, caindo levantando, chorando e sorrindo.
Thaís olha para uma menininha lourinha, de cachinhos e trancinhas e não pode deixar de pensar:
“Como eu gostaria que você fosse minha filha”!
Implacavelmente, algumas lágrimas começam a descer pelo seu rosto.
O BOTO
São Gonçalo do Rio Abaixo é um lugarejo perdido no meio da floresta amazônica. Não é exatamente um município, mas o povo de lá vive dizendo que “São Gonçalo é minha cidade”, “eu nasci em São Gonçalo”, essas coisas que demonstram o orgulho que o povo sente do seu lugar, sua terra natal.
É um povoado pequenino com pouco mais de cento e vinte pessoas, mas tem uma característica muito interessante: é um lugar de mulheres bonitas. As moças do povoado costumam ser morenas, cabelos longos abaixo da cintura, negros como uma noite sem luar e lisos como as águas do rio Cariaí, palavra indígena que significa belo e elegante. Foi nesse rio que alguém se inspirou para colocar o nome do lugar, mas isso foi há muito tempo, há tanto tempo que ninguém se lembra mais.
O que as belas moças do lugar não esquecem é a história do rapaz bonito, conquistador, excelente dançarino e de voz mansa e agradável que costuma aparecer nas festas tradicionais. Todo mundo conhece a história, e, sempre que acontece uma festa popular na cidade, dessas do tipo São João, todos os Santos, Dia de Reis, etc. ele aparece. É só a sanfona começar a tocar que as moçoilas do lugar já ficam esperando ele aparecer. E ele vem. Sempre vem.
Foi assim, na última festa de São João.
Quitéria estava toda bonita!
Tinha colocado um vestido cor de rosa com um lacinho na cabeça, um cinto vermelho na cintura e um sapatinho que era uma joia, de cor vermelha pra combinar com o cinto. Caprichou na maquiagem e colocou uns brincos dourados, vistosos, bem grandes.
Tião chegou todo faceiro e convidou a moça pra dançar a quadrilha, mas ela não quis. “Tava esperando uma pessoa”.
Tião saiu, sem graça. Pra ele a festa acabou ali. Para um rapaz de São Gonçalo, receber um “não” de uma moça como resposta a um convite para uma dança era uma humilhação muito grande e Tião se recolheu num canto e se danou na cachaça. Também, fazer o que?
Quitéria tinha ouvido a história da boca de Aparecida e de Maria Joana. Todas duas tinham tido um encontro com um rapaz bonito, vestido de branco que apareceu de repente e convidou as duas pra dançar. Uma de cada vez, é claro.
A noite foi passando e Quitéria tava num pé e noutro, angustiada porque o seu príncipe encantado não tinha aparecido ainda.
Mas ele chegou.
Andar maneiro, chapéu branco com a aba baixa de tal forma que encobria o rosto. Aproximou-se de Quitéria e, com uma voz de conquistador, perguntou:
– A bela senhorita me concede a imensa honra dessa dança?
Tremendo do jeito que estava, Quitéria não disse nem sim, nem não. Apenas estendeu a mão esquerda para o sujeito que, educadamente, beijou-a e conduziu a jovem para o meio do salão.
Ele dançava que era uma maravilha e Quitéria não deixava por menos! Acompanhava o jovem em todos os passos.
Quitéria notou que ele tinha um nariz grande, desproporcional até, mas, ora, quem estava ligando pra nariz naquele momento?
Em pouco tempo as pessoas pararam para admirar aquele belo casal dançando com desenvoltura e magia no salão.
Aparecida e Maria Joana também estavam no salão. De pé, num canto, cochichando o tempo todo. Demonstravam claramente que estavam se roendo de inveja. Afinal, elas conheciam aquele rapaz muito bem, de outras festas.
Lá pelas tantas da noite o rapaz convidou Quitéria pra respirar um pouco de ar fresco, afinal, estava fazendo muito calor dentro do salão.
Quitéria concordou sem pestanejar. Sem ela perceber ele a foi conduzindo em direção ao rio. Caminhando devagarinho, falando mansinho, de vez em quando dava um cheirinho no cangote da bela morena que ficava toda arrepiada.
Sem perceber, Quitéria estava dentro do rio com o rapaz e foi ali que tudo aconteceu.
Após umas duas horas dentro d’água, Quitéria se lembrou que não sabia nem o nome do belo acompanhante e, então, perguntou:
– Quem é você? Como é o seu nome?
– Eu sou de Caraí e o meu nome é Boto. – Respondeu o rapaz desaparecendo nas calmas águas do rio.
Quitéria saiu da água e percebeu que, na margem, estavam Aparecida e Maria Joana, as duas com uma barrigona de seis e oito meses de gravidez. Só então ela se lembrou que as duas tinham dito que os meninos que elas carregavam na barriga eram filhos do mesmo rapaz misterioso que elas tinham conhecido numa festa.
A VITÓRIA RÉGIA
Às margens do rio Amazonas, vivia uma pequena tribo de índios. Pacatos, dedicavam-se somente à caça e à pesca sem se preocuparem com guerras ou agressões por parte de outras tribos porque não tinham inimigos.
O pajé Uruá era um homem sábio, conhecedor dos segredos das plantas e valia-se desse conhecimento para ajudar a todos. Índios de quaisquer tribos vizinhas vinham buscar auxílio com ele nos casos das diversas enfermidades comuns na região amazônica.
Uruá atendia a todos com a mesma atenção e sempre conseguia a cura para aqueles que o procuravam. Isso trazia respeito para ele e sua tribo, razão porque não precisavam se preocupar com guerras.
Havia uma tradição na aldeia que consistia em entoar cânticos e realizar danças em homenagem a Jaci, a lua. Sempre que ela se mostrava por inteiro, em lua cheia, a aldeia fazia uma festa muito animada.
Naiá, a mais bela índia da tribo, tinha uma admiração muito especial por Jaci e o seu maior sonho era poder encontrar-se com ela, de perto, para lhe dar um beijo ou, talvez, deixar-se levar para nunca mais voltar, desfrutando, dessa forma, para sempre, da companhia tão almejada de Jaci.
Os mais velhos contavam estórias em volta das fogueiras. Diziam que, de vez em quando, Jaci descia à terra e escolhia uma índia para transformá-la em estrela. Naiá sonhava com o dia que seria escolhida por Jaci e, assim, ser a estrela mais brilhante do céu. Ficava horas e horas olhando para Jaci e nas noites em que o céu ficava estrelado imaginava-se como a maior estrela do firmamento.
O desejo de Naiá era tão grande que ela acreditava que, nos momentos em que Jaci ia descendo no horizonte, se ela fosse bastante rápida, poderia alcançá-la e, então, oferecer-se para ser transformada em estrela. Quem sabe Jaci a aceitaria?
Em uma noite em que Jaci se mostrava linda como nunca, Naiá decidiu que, daquela vez, iria ao seu encontro no horizonte para tentar realizar o seu sonho de se transformar em uma estrela.
À medida que Jaci ia descendo no horizonte Naiá ia ao seu encontro e, quando ela achou que daria para alcança-la saiu correndo em disparada em sua direção.
No meio do caminho havia um igarapé e Naiá viu, nele, o reflexo de Jaci. Inocentemente, a bela índia achou que ali estava ela, finalmente, e que, agora, poderia se jogar em seus braços e pedir para ser transformada em estrela.
Mas o igarapé era muito profundo e Naiá acabou morrendo afogada.
Jaci, percebendo aquilo, compadeceu-se pelos sentimentos da jovem índia e, em um gesto de agradecimento, transformou-a na bela flor da Amazônia chamada Vitória Régia.
O dia seguinte passou e os demais índios da tribo de Naiá, sentindo sua falta, saíram à sua procura.
Chegaram ao igarapé onde Naiá tinha se afogado e perceberam a bela e estranha flor. Ficaram intrigados, até que, com a chegada da noite, a bela Vitória Régia abriu suas pétalas sob a luz de Jaci.
Uruá, que estava presente, em um momento de oração teve uma visão que lhe mostrava que, ali, estava a bela índia Naiá que, finalmente, transformara-se em uma estrela, a mais bela de todas as flores da Amazônia. E, então, avisou aos demais índios da tribo que, quando quisessem falar com Naiá, fossem até o Igarapé, durante a noite, que ela estaria ali, esperando por todos.
Até hoje, em noites de lua cheia, a bela Vitória Régia abre suas pétalas oferecendo um espetáculo de beleza a todos que estiverem presentes.
IARA
Há muitos e muitos anos, havia uma tribo em um local remoto, às margens do rio Amazonas, formada por valorosos guerreiros e belas índias. Tão belas que a fama daquelas mulheres corria a floresta.
Entre elas, a mais bonita e formosa era IARA, jovem de longos cabelos negros abaixo da cintura e olhos da cor de mel. Seus lábios vermelhos e carnudos pareciam atrair os homens que a vissem, mesmo que de longe.
IARA teve muitos pretendentes, mas nenhum deles preenchia os requisitos que ela exigia. Os índios, desgostosos, muitas vezes decidiam acabar com a própria vida jogando-se nas profundas águas do rio ou partindo, sozinhos, em suas canoas, para uma viagem sem volta.
O tempo foi passando e IARA se aproveitava cada vez mais de sua beleza para dominar os homens que dela se aproximavam.
Juti era o mais valente guerreiro da tribo e se apaixonou perdidamente por IARA que, sabendo disso, passou a se exibir todos os dias na frente do jovem sem, no entanto, dar-lhe qualquer esperança de um relacionamento sério.
Juti caçava e lhe oferecia os melhores pedaços da caça. Pescava e lhe oferecia os melhores pescados. Colhia para ela as mais saborosas frutas da Amazônia, mas a bela índia não queria saber do jovem caçador.
Desgostoso, por ver que o seu amor não era correspondido, Juti mandou avisar a bela IARA que se ela não lhe desse uma oportunidade ele acabaria com a própria vida como já haviam feito muitos jovens guerreiros como ele.
Mas IARA tinha o coração duro e sequer lhe deu uma resposta.
Sendo assim, o jovem guerreiro decidiu oferecer a sua vida a Uruen, o deus das profundas águas do rio Amazonas e mergulhou para nunca mais voltar.
Todos os demais índios da aldeia foram procurar o corpo de Juti nas águas do rio, mas ninguém o encontrou. A única pessoa que não se compadeceu por Juti foi, justamente, a linda IARA.
Uruen, vendo que a jovem tinha muita maldade no coração, resolveu castigá-la.
Um dia, quando a bela índia banhava-se nas águas do rio Amazonas, sob a luz do luar, ele a transformou em uma sereia, peixe da cintura para baixo e mulher da cintura para cima e lhe disse que, assim como todos os pretendentes que ela desprezara terminaram seus dias nas profundezas de suas águas, ela também estava condenada a ali permanecer para sempre.
IARA não se conformou com aquilo e, sempre que um guerreiro banha-se nas águas do grande rio em noites de lua cheia, ela aparece.
Primeiro com um belo cantar que enfeitiça o rapaz. Depois, aproxima-se dele e, com um apaixonado beijo, leva-o para o fundo do rio de onde ele jamais voltará.
Muitas gerações se passaram e a história de Iara e Juti é sempre contada para os mais jovens quando os anciãos sentam-se em volta de uma fogueira.
Agora mesmo, nesta bela noite de lua cheia, estando às margens do magnífico rio amazonas onde me preparo para um suave banho em suas águas, me detenho, pois escuto um suave e encantador som vindo das profundezas de suas águas.
É uma bela voz feminina que entoa uma canção chamativa e apaixonada convidando-me para um mergulho a dois.
Pensando melhor, decido que prefiro deixar o banho de rio para uma outra ocasião.
O PADRE E O CAMINHONEIRO
Em um pequeno lugarejo, perdido no meio do sertão do nordeste do Brasil, uma família luta desesperadamente para sobreviver.
O lugar chama-se Canoa Perdida e é ali que vivem João, Josefina e Henrique. Pai, mãe e filho que formam a família Correia. O menino tem apenas 13 anos e ajuda o pai em todos os trabalhos na lavoura e caçadas com o que a família se mantém e consegue não passar fome.
O jovem Henrique ainda ajuda a mãe Josefina com as tarefas domésticas e, a mais difícil delas é conseguir água para as necessidades caseiras.
A três quilômetros de distância fica uma cacimba, que, na verdade, é um velho poço que, para a sorte da família nunca secou.
Todos os dias o menino sela “Carioca”, um jumentinho que ajuda a família há anos transportando algumas latas de água e levando e trazendo produtos para a lavoura de João. Ali ele planta milho, mandioca, feijão, alguns legumes e tomate.
A chuva é a coisa mais incerta que pode existir naquela região, de tal modo que a família depende totalmente da cacimba que, não se sabe como, existe ali naquela região “desde sempre”.
O menino Henrique, apesar de analfabeto como os pais, tem, digamos, um hobi, um pequeno passatempo, que é desenhar.
Uma vez um caminhão quebrou justo na frente do casebre da família Correia e, inexplicavelmente, o garoto se interessou pela mecânica do veículo, sem jamais ter visto um de perto e, para surpresa de todos, ajudou o motorista a consertar o motor dando, inclusive, algumas dicas valiosas para o homem.
O motorista vendo a habilidade do garoto e a facilidade que ele tinha com a mecânica e, diante a vida difícil que a família tinha, propôs aos pais levar o menino consigo prometendo que faria com que ele estudasse.
Os pais não quiseram e Henrique também não. Disse que seu lugar era ali em Canoa Perdida.
O motorista do caminhão, muito agradecido, procurou alguma coisa para dar à família e encontrou alguns mantimentos e uma caixa de lápis de cores e uma boa quantidade de folhas de papel em branco.
O menino não cabia em si de felicidade quando recebeu os lápis e as folhas de papel. Parecia que ele estava esperando por aquele presente há muito tempo.
O tempo passou, aquele motorista nunca mais voltou por aquelas bandas e Henrique passou a fazer os seus desenhos nas horas vagas que tinha, normalmente à noite, à luz de lamparinas a querosene ou mesmo sob a luz da lua.
Os pais ficavam intrigados com as coisas que o garoto desenhava. Eram objetos que ele nunca tinha visto e, o mais intrigante era uma pequena igreja que ele desenhava, mostrando mínimos detalhes, até mesmo a imagem de uma cruz na faixada do prédio e uma pequena escadaria que levava ao interior do santuário.
Desenhava os bancos, o confessionário, o teto e até o altar.
Os pais olhavam para os desenhos e perguntavam para o filho onde ele tinha visto aquilo e ele simplesmente respondia que já tinha visto muitas vezes aquela igreja com tudo o que ele registrava em seus desenhos que não eram simplesmente rabiscos, mas verdadeiras gravuras com uma riqueza de detalhes impressionante.
A família Correia não tinha vizinhos em um raio de mais de vinte quilômetros e, igreja só havia em Parinhos, uma cidade a setenta quilômetros dali e onde Henrique nunca estivera, mas, ele desenhava a igreja detalhadamente.
O tempo foi passando e, agora, após quatro anos sem chover, parecia que a meteorologia ia mudar e uma grande tempestade se anunciava no horizonte.
Ao anoitecer os relâmpagos e trovões começaram e uma chuva, a princípio fininha, começou a cair sobre a casinha dos Correia.
Só que a chuva foi aumentando e logo começou um vendaval que entrou noite a dentro e durou o dia inteiro, forte como nunca tinha acontecido naquela região.
Inacreditavelmente, devido a tanta água, um riacho começou a se formar a algumas centenas de metros de distância da casa da família e a chuva, cada vez mais forte, ia transformando o que, a princípio era apenas um curso d’água em um rio com uma correnteza considerável.
A tempestade durou o dia e a noite inteira e, finalmente, ao amanhecer do terceiro dia, o sol voltou a aparecer.
Canoa Perdida não era mais a mesma.
Toda a paisagem tinha se transformado e a casinha, como que por milagre, se manteve de pé.
Curiosos, os três saíram de casa para explorar as proximidades.
De repente, lá estava ela.
Uma construção de pedra, com uma cruz no topo, uma pequena escadaria levando para a entrada que, agora, já não tinha mais a porta. Todo o resto da construção estava inexplicavelmente intacto, até mesmo alguns bancos de madeira e, principalmente, o altar.
A chuva, a correnteza e o forte vendaval, desenterraram o prédio por completo mostrando o que, um dia, fora uma pequena igreja.
Os pais de Henrique reconheceram naquela construção os desenhos que o menino fazia e, sem saber o que dizer ou o que fazer, ficaram apenas olhando o seu filho entrando naquele prédio como se o conhecesse há muito tempo.
Henrique olhou para os pais e disse: este é o meu lugar e esta é a minha igreja. Vou trabalhar até que ela fique pronta de novo.
Pegando a mãe e o pai pelas mãos levou-os até um canto perto do altar e mostrou uma sepultura onde estava escrito Padre Henrique de Castro, 1775 a 1813. O sacerdote tinha morrido ali aos trinta e oito anos de idade.
– Eu fui o padre desta pequena capela e fui morto por homens que saquearam o altar levando as imagens da minha igreja. Estou enterrado aqui e é a minha missão dar vida novamente a este lugar.
O pai, assustado, perguntou:
– Como você sabe disso, meu filho?
– Fiquei sabendo no momento em que aquele caminhoneiro parou em nossa casa com o carro quebrado.
Foi ele quem enterrou o meu corpo aqui.
A MANDIOCA
Há muitos e muitos anos, uma determinada região da Amazônia passava por um severo período de estiagem. Normalmente úmida e com um dos maiores índices pluviométricos do planeta, aquela área, agora, vivia sob uma seca terrível que matava animais e plantas e espalhava a fome entre os índios que ali viviam. Árvores centenárias secavam a olhos vistos e morriam mesmo em pé. Carcaças de animais selvagens eram encontradas próximas a lugares onde, antes, corriam alegres igarapés onde viviam milhares de peixes. Ali, a abundância era comum. Jamais, em tempo algum, houvera uma situação de penúria e desespero como aquela.
Havia uma menininha na tribo chamada Mani. Graciosa e sorridente, era neta do cacique Aluan, muito querido por todos na tribo por ser um homem justo e muito preocupado com o bem-estar geral.
Mani gostava de brincar na aldeia com os outros indiozinhos e era amiga de todos os pássaros e animaizinhos da floresta, enfim, todos ali gostavam dela e, mesmo apesar de toda aquela situação de seca e de fome na aldeia, os adultos não deixavam que a menina sentisse fome ou sede e, do pouco que conseguiam sempre levavam alguma coisa para Mani se alimentar.
Um dia, sem nenhuma explicação, Mani, mesmo sem aparentar nenhuma doença faleceu repentinamente.
Os índios ficaram muito tristes e, segundo a tradição de sua tribo, enterraram o corpo da pequena Mani na própria oca em que vivia.
Virou costume, todos os dias, os índios irem à oca onde estava enterrada a menina para rezar por ela e, sempre, choravam sobre a sua sepultura.
Com o passar do tempo verificaram que uma plantinha estranha tinha nascido justamente no local onde estava enterrada a indiazinha. Deixaram que ela crescesse um pouco e, quando acharam que estava na hora certa, tiraram a planta para ver que espécie era aquela.
Os índios perceberam que se tratava de uma planta com uma grande raiz. Curiosos, decidiram cozinhar as raízes da plantinha, comeram e viram que era boa e saudável.
Começaram a replantar o vegetal por toda a aldeia e, em pouco tempo, havia alimento para todos porque a plantinha era bastante resistente à seca.
A partir daí, em homenagem à indiazinha Mani e ao local onde nasceu a plantinha, que tinha sido justamente a oca onde ela vivia e foi enterrada deram-lhe o nome de Manioca que, hoje, conhecemos como Mandioca.
Desde então, nunca mais houve seca ou fome naquela tribo indígena.
O ENCONTRO
Todos os dias Ronaldo cumpria um rigoroso ritual em sua vida.
Acordava às cinco horas, tomava um modesto café da manhã, pegava sua bicicleta e se dirigia para uma pequena colina que ficava a cerca de doze quilômetros de sua casa.
Ficava ali até o sol nascer como quem espera que algo venha com ele.
Lá pelas sete e meia da manhã ele voltava para sua casa pedalando sua “magrela”. Seu semblante era triste, ele parecia decepcionado com alguma coisa.
Chegava em casa e Lucinda não lhe perguntava nada. Não era necessário. Ela sabia o que se passava na cabeça de seu marido.
O casal, ambos na faixa dos seus cinquenta e poucos anos, não tinha filhos. Viviam em uma região rural, próximo a uma pequena cidade de vinte mil habitantes aonde só iam quando precisavam comprar alguma coisa.
Tinham algumas poucas cabras, galinhas, duas vaquinhas e uma pequena roça que ocupava o dia inteiro de Ronaldo.
A vida ia passando, a rotina se repetia diariamente e a tristeza do homem parecia não ter fim.
No passado um fato muito importante tinha acontecido ali, naquele lugar isolado, pelo menos era isso que o casal sustentava para todo mundo.
Ronaldo e Lucinda afirmavam que tinham visto e conversado com seres extraterrestres que os tinham visitado amigavelmente em uma ensolarada manhã de domingo.
O casal estava em casa e, repentinamente, observaram um forte clarão por trás da colina que Ronaldo visitava todos os dias.
Cada um pegou a sua bicicleta e foram ver do que se tratava.
É verdade que não tinham ouvido nenhuma explosão, mas – quem sabe? – um avião poderia ter caído ali e eles simplesmente não tinham ouvido nada. Mas viram. Disso tinham certeza.
Ao chegar ao local quase morreram de susto com o que se depararam.
Era uma grande nave espacial, redonda como um prato, brilhante e muito iluminada.
Quatro seres saíram dela e foram ao encontro do apavorado casal.
Não se ouvia nenhum som, mas Ronaldo e Lucinda entendiam tudo o que um dos visitantes queria. Na verdade, eles se comunicavam por telepatia e, lendo os pensamentos dos dois, antes mesmo que dissessem alguma coisa, a resposta já vinha dos estranhos seres que tinham uma aparência diferente, não se pareciam com humanos, a cabeça era um pouco ovalizada, olhos graúdos e de um azul intenso. Não tinham orelhas, mas, no resto, eram como nós. Tinham boca e nariz de tamanho proporcional às suas cabeças. Tinham em torno de um metro e noventa de altura.
E sorriam amistosamente para o casal!
Travou-se, ali, um estranho e silencioso diálogo.
– Olá, não tenham medo pois viemos em paz e somos seus amigos. – disse um dos visitantes.
– Quem são vocês? De onde são? O que querem? Vão nos machucar?
A apreensão de Ronaldo era visível, mas, a todo instante, “eles” procuravam tranquilizar o casal.
– Não se preocupem! Temos observado o seu planeta e o seu modo de viver e gostaríamos apenas que vocês levassem uma mensagem para as autoridades de sua cidade.
-Sim! Digam do que se trata.
– Avisem-nos que a possibilidade de uma guerra nuclear está cada vez mais evidente e, se isso acontecer, será uma grande catástrofe para o planeta terra e, também, para grande parte do sistema solar porque as radiações serão intensas, vão durar milhares de anos e atingirão outros planetas próximos de vocês, que são habitados e cujas existências sequer são do conhecimento de seus cientistas.
– No momento – continuou o ser de lindos olhos azuis – não vemos possibilidade de um contato nosso com suas autoridades pois estamos certos de que nos receberão com hostilidade e, só por esse motivo, ainda não nos aproximamos, mas nós os visitamos há milhares de anos. Lamentavelmente alguns dos seus mandatários estão trilhando para esse destino de uma guerra nuclear que será prejudicial a todos.
Dito isso, sempre com um amigável sorriso no rosto, os quatro deram meia volta e entraram em sua espaçonave que decolou verticalmente e desapareceu em questão de segundos.
Ronaldo e Lucinda, é claro, ficaram um bom tempo estupefatos com o que tinha acabado de acontecer até que se deram conta de que tinham uma missão a cumprir: precisavam avisar as autoridades.
De fato, dirigiram-se à cidadezinha, sempre de bicicleta, e foram imediatamente à delegacia de polícia.
Infelizmente, como já era de se esperar, foram recebidos com zombarias e ninguém lhes deu nenhum crédito, ou melhor, quase ninguém.
Um senhor idoso, com seus oitenta anos, cabelos abundantes e brancos como as nuvens, um discreto sorriso no rosto, algumas rugas e um jeito amistoso de falar que estava ali apenas porque fora levar um lanche para a sua neta, Jane, que era policial e saíra cedo de casa – eles moravam juntos em uma simpática casinha branca no centro da cidade – se aproximou do casal e lhes disse:
– Podemos conversar um pouco mais sobre isso?
Sem saber direito o que dizer ante a decepcionante recepção que tiveram na delegacia, Ronaldo aceitou o convite do homem que se chamava Elói e saíram do prédio.
Dirigiram-se para uma pequena pracinha e ali, sentados em um banco, Ronaldo e Lucinda lhe contaram tudo o que tinha acontecido.
– Eu acredito em vocês. – disse o velho.
– Obrigado! – respondeu Lucinda – mas o que vamos fazer agora se ninguém acreditou em nós? Só o senhor!
– Eu entendo a sua decepção, mas vamos torcer que uma solução vai aparecer.
A partir daquele dia, o velho Elói passou a visitar o casal Ronaldo e Lucinda em sua casa no campo e acabaram muito amigos.
Elói costumava confortar o casal sobre o que tinha acontecido dizendo-lhes que, se os extraterrestres nos visitavam há tempo, eles certamente teriam um plano para evitar que uma catástrofe acontecesse.
Dessa forma, a vida do casal prosseguia em sua rotina que só era quebrada quando as agradáveis visitas de Elói, que às vezes vinha acompanhado de sua neta, Jane, aconteciam. De resto, Ronaldo continuava a ir, todos os dias, sempre pela manhã, à colina na esperança de que, um dia, seus amigos de outros planetas voltassem.
E eles voltaram!
O casal estava cuidando de suas tarefas diárias em seu pequeno sitio quando, novamente, aquele clarão se repetiu.
O casal não precisou dizer nenhuma palavra um ao outro.
Pegaram a sua bicicleta e rumaram para o local.
Uma grande surpresa os esperava.
A nave estava lá, iluminada como nunca, os mesmos quatro personagens do evento anterior estavam, mas, desta vez, eles tinham companhia.
Ao lado dos visitantes estavam Elói e Jane e eles o chamaram com um largo sorriso no rosto.
Ronaldo e Lucinda estavam perplexos. O que era aquilo? Por que Elói e sua neta estavam lá.
– Venham aqui amigos! – desta vez Elói se comunicava com eles, mas por telepatia.
Então, tudo se esclareceu. Elói e Jane eram, também, extraterrestres.
– Não se preocupem! Nós lamentamos que não lhes tenham dado ouvidos, mas estamos vigilantes e não deixaremos que nenhum maluco deflagre uma guerra nuclear.
Lentamente as fisionomias de Elói e Jane foram mudando e, ante os olhares de Ronaldo e Lucinda, assumiram suas fisionomias normais de extraterrestres.
Deram-lhes de presente uma pedra verde, de um brilho intenso e lhes disseram:
– Isso é um dispositivo de comunicação e só funcionará se for ativado pelas suas vozes. Se algum dia precisarem verdadeiramente de ajuda, podem nos chamar e nós viremos.
Após isso, sempre sorridentes, deram meia volta, entraram em sua nave espacial e, a uma velocidade, inacreditável, desapareceram.
O GUARANÁ
Há muitos anos, onde hoje é o Estado do Amazonas, Brasil, havia uma tribo indígena chamada maué ou sateré-mawé. Eram índios que apesar de pacíficos, tinham diversos inimigos, entre eles, os próprios homens brancos, além da tribo mundurucu, os apiacás, os kawahib-parintins, os andirazes e os muras. Dedicavam-se à caça, pesca e à agricultura, mas não podiam descuidar da proteção contra os seus inimigos e, por isso, eram hábeis guerreiros, respeitados por sua bravura e coragem.
Dentre todos os índios, havia um casal que tinha um filho muito bom, dedicado aos pais e a todos da tribo, muito alegre e saudável que procurava ajudar a todos que precisassem de ajuda em qualquer sentido. Estava sempre disposto a ajudar os próximos e, mesmo em combates, muitas vezes mortais, demonstrava compaixão e respeito para com os vencidos e nunca procurava humilhá-los ou escravizá-los. Basicamente os maué só lutavam para se defender porque estavam satisfeitos com o que Tupã lhes reservara e viviam felizes com isso sem necessidade de guerras para conquistar outras terras. Por eles, todos viveriam em paz.
Tudo indicava que o jovem índio se tornaria, no futuro, em um grande chefe indígena dada a sua sabedoria e serenidade ao tratar com os problemas seus e daqueles de sua tribo.
Isso despertou a ira de Jurupari, o deus do mal que, tomado por inveja, decidiu acabar com a vida do jovem guerreiro.
Jurupari, então, armou uma cilada para o jovem índio. Transformou-se em uma grande cobra e ficou esperando o índio que saíra para caçar. Aproximou-se, sorrateiramente do guerreiro, enroscando-o em um poderoso abraço, matando-o por asfixia. O maldoso deus Jurupari, satisfeito com a sua sórdida vingança, abandonou o corpo do rapaz ali mesmo para que predadores da floresta acabassem com ele não deixando, desta forma, qualquer sinal de seu ato traiçoeiro.
Jurupari não sabia, no entanto, que os animais da floresta eram, também, amigos do jovem índio e, reuniram-se em torno do corpo do rapaz impedindo que qualquer predador se aproximasse.
Os pais do jovem índio esperaram o dia inteiro e o rapaz não voltou da caçada. A noite chegou e com ela uma bela lua cheia que iluminava toda a floresta como que os convidando a procurarem por seu amado filho.
Mesmo assim, os pais esperaram por toda a noite e decidiram, de manhã, sair, com outros guerreiros, à procura de seu filho. Não precisaram andar muito e, em uma clareira, cercado pelos animais da floresta, encontraram o corpo inerte de seu filho querido.
Imediatamente uma forte tempestade desabou sobre o local. Uma enorme quantidade de raios era acompanhada por retumbantes trovões anunciando a todos a tragédia. Repentinamente, um raio caiu a apenas alguns metros do corpo do rapaz. A índia-mãe, mesmo em prantos, reconheceu ali o desejo de Tupã e, voltando-se para o seu marido e para os demais membros da tribo disse-lhes:
– Eu tive uma visão. Tupã manifestou-se através desse raio ordenando que enterremos os olhos do meu filho neste local porque aí nascerá uma poderosa planta, uma fruteira, que será a felicidade de nosso povo.
Então, os pais do jovem índio morto enterraram os olhos de seu filho naquele local e, apenas alguns dias depois, nasceu uma bela planta que dava frutos deliciosos. Era o guaranazeiro que, com seus frutos, alimenta e prolonga a vida das pessoas.
É por isso que os frutos do guaraná são sementes negras rodeadas por uma película branca, muito semelhante a um olho humano e os maué são um povo reconhecido por sua longevidade.
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Daria uma final diferente?
Deixe sua opinião aí em baixo ou, se preferir, entre em contato com o autor pelo whatsapp (61)99652-4328 ou envie uma mensagem pelo e-mail contato@afonsocelso.com.br que eu terei um imenso prazer em lhe responder.
LOUISE
(Este é um conto de ficção e qualquer semelhança com pessoas será mera coincidência).
Aos vinte e dois anos de idade, Louise era uma moça bonita.
Morena com belos olhos da cor de amêndoas, cabelos negros um pouco abaixo dos ombros e um belo corpo. Cintura fina, pernas bem definidas e um andar balançado faziam com que a jovem chamasse a atenção dos homens por onde ela passasse.
Cursava o quarto ano do curso de direito em uma conceituada faculdade, filha de pais equilibrados que pertenciam à classe média alta, frequentava os melhores restaurantes e festas da sociedade de sua cidade. Tudo parecia perfeito e promissor para aquela jovem, mas, surpreendentemente, ela não estava satisfeita e, por mais incrível que pudesse parecer, sua insatisfação era justamente com o que tinha de mais belo: o seu corpo.
Uma hora ela se olhava no espelho e achava que estava magra, num outro momento, se achava um pouco gorda. Achava que poderia diminuir os quadris ou, em outra ocasião, pensava em aumentá-los.
Será que suas pernas estavam um pouco finas? Sim! – Pensava – talvez pudesse torneá-las um pouco mais.
O fato era, no entanto, que tudo estava em seu devido lugar, nada sobrava ou faltava, mas a moça não estava satisfeita.
Luana era uma das amigas de Louise e, como ela, muito bonita.
Já fazia alguns meses que as duas não se encontravam porque Luana estava estudando em outra cidade e, sendo assim, raramente se viam.
Um dia, em um shopping center, as duas se encontraram. Luana estava muito malhada, levemente musculosa e com o corpo todo esculpido pelos exercícios da academia.
As duas conversaram durante algum tempo tendo Louise extravasado suas insatisfações com o seu corpo e, ao se despedirem, Luana sugeriu a Louise que, se quisesse eliminar todos “defeitos” que tivesse em seu corpo, contratasse um “personal trainer” para que ela pudesse malhar como quisesse.
Claro que Louise já frequentava uma academia, mas achava que o tempo que dedicava aos exercícios físicos era suficiente. Já tinha reparado em algumas moças que tinham os músculos avantajados e não achara bonito, mas, desta vez tinha sido diferente. Luana estava muito bonita. Será que era pelo simples fato de que eram amigas e aquilo lhe tinha despertado alguma inveja? Não, Louise jamais admitiria aquilo, mas era a pura verdade.
Os dias passavam e a sugestão da amiga não saía da cabeça da jovem. Um “personal trainer”? Ora, por que não?
No dia seguinte Louise procurou Adam, um “personal trainer” que dava aulas para algumas garotas que frequentavam a sua academia.
Explicou ao rapaz o que queria e ele, prontamente, ambicionando ter mais uma aluna, o que significaria mais dinheiro para si, disse-lhe que o ela queria era absolutamente possível e que não levaria muito tempo.
A moça contratou o “personal” que lhe preparou um programa de treinamentos muito mais intenso do que o que ela já vinha fazendo e que, certamente, daria resultados muito mais saltitantes aos olhos.
Louise se empolgou com as promessas de Adam e começou a sessão de exercícios puxados que faziam com que ela sentisse que seus músculos começavam a responder fazendo com que o seu corpo fosse mudando lentamente.
Quatro meses depois as transformações na jovem já eram visíveis. Estava, de fato, com o corpo mais definido, a cintura mais fina… mas ela queria mais. Muito mais.
Por conta própria passou a frequentar a academia duas vezes por dia. Logo cedo malhava com a atenção do “personal trainer” e, à noite, voltava à academia e repetia todos os exercícios que fizera na parte da manhã. Dessa forma, ela já passava cerca de quatro horas por dia fazendo exercícios físicos. A transformação em seu corpo era visível, mas a moça não estava satisfeita.
Louise passou, então, a se interessar por anabolizantes e esteroides. Seu padrão de beleza mudou sem que ela percebesse e, as moças musculosas que, antes, ela considerava feias passaram a lhe parecer mais bonitas e o modelo a ser seguido.
Adam lhe dava conselhos para não tomar as drogas e ela jurava que não estava tomando mas consumia-as compulsivamente.
O corpo de Louise já não se parecia, nem de longe, com o que era há apenas sete ou oito meses, agora, ela estava extremamente musculosa, seu andar ficara masculinizado e ela já não dava atenção a mais nada a não ser a musculação.
Trancou a faculdade de direito e passou a consumir proteínas em excesso. Lia tudo o que dizia respeito ao culto ao corpo e adotava procedimentos condenados por todos os especialistas no assunto.
Daí a passar a consumir efedrina (um estimulante) e suplementos como a carnitina (nutriente de extrema eficiência que ajuda o corpo a produzir mais energia) foi um passo, mas o corpo cobrou um preço: a saúde de Loise começava a ficar comprometida.
Louise, apesar de aparentar uma excelente forma física começou a sentir cansaço, inapetência, insônia, ritmo cardíaco acelerado mesmo quando em repouso, dores musculares, tremores e desinteresse total por qualquer outra atividade em seu cotidiano. A jovem estava totalmente tomada pelo desejo de ficar cada vez mais e mais forte.
O alarme soou para a família. Os pais, que há muito tempo vinham aconselhando-a a diminuir o frenético ritmo de exercícios físicos decidiram que era hora de levar a moça a um psicólogo.
Louise, a princípio, resistia e, mesmo visivelmente doente, praticamente não saía da academia e não ouvia conselhos de ninguém. Adam, o “personal trainer”, há muito tempo tinha desistido dela, não sem antes avisar a direção da academia e os próprios familiares da moça.
Um dia, Louise não conseguiu levantar-se da cama. Seu corpo fora tomado por espasmos, ela vomitava constantemente e delirava. Ela estava prestes a entrar em coma.
Levada às pressas para um hospital foi diagnosticada com a síndrome de Adônis ou vigorexia, um tipo de transtorno obsessivo compulsivo que leva a pessoa a dedicar-se unicamente ao culto do físico esquecendo-se de todo o resto.
O tratamento de Louise começou com um psiquiatra mas logo exigiu o concurso de profissionais multidisciplinares, tais como, psicoterapeuta, nutricionistas, preparador físico e outros.
Louise entrou em depressão e, após um longo tempo de tratamento e o total apoio da família conseguiu sair do estado de prostração.
Hoje ela ainda faz exercícios físicos mas nunca mais poderá abandonar o tratamento psicoterápico e, talvez, um dia, consiga retomar a sua faculdade de direito.
LONGEVIDADE
Lagoa Bonita é uma pequena cidade de um importante estado do sul do Brasil onde a maioria dos moradores é descendente dos habitantes dos países nórdicos. Um lugar frio, onde as temperaturas no inverno costumam chegar aos quinze graus negativos e, no verão, jamais ultrapassam os doze graus, atraiu, no passado, dinamarqueses, noruegueses, suecos e até alemães para lá.
Com não mais de quatorze ou quinze mil habitantes, a cidade é um lugar pacato, bastante arborizado, com uma característica muito peculiar: os seus habitantes costumam viver mais de cem anos.
Isso tem atraído a atenção de cientistas de boa parte do mundo porque, mesmo nos países de onde vieram os atuais moradores de Lagoa Bonita a população não costuma ser tão longeva.
Alguns atribuem tal fato ao consumo regular, porém não exagerado de vinhos, outros ao clima agradabilíssimo da região, um terceiro grupo à completa inexistência de poluição e assim, diversas teorias se formam para explicar a vida longa dos moradores da bela e pacata Lagoa Bonita.
O nome da cidade, como se poderia esperar, é uma homenagem a uma bela lagoa, não muito grande, porém de águas muito claras à volta da qual foram construídas as primeiras casinhas de madeira do povoado.
No inverno, a visibilidade no local não passa de alguns metros devido a uma incrível concentração de neblina levando alguns a verem-na como um pedacinho dos fiordes ou das florestas da Alemanha.
No meio da intensa vegetação local destaca-se uma planta muito bonita e que costuma viver mais de mil anos, é o Ginkgo Biloba que, conforme a estação do ano adquire cores diferentes atribuindo ao lugar ainda mais ares de beleza e de mistério. Essa espécie vegetal é originária da Ásia e ninguém sabe, ao certo, como ela foi aparecer ali.
Claro, alguns já chegaram a imaginar que essa árvore fosse a causa da longevidade das pessoas do local, mas nunca ninguém conseguiu provar nada.
Dentre os habitantes do lugar há um casal de meia idade, em torno dos quarenta e poucos anos, muito simpáticos, prestativos e que, é claro, todos na cidade conhecem, são Álex e Wilma. São alguns dos pouquíssimos moradores da cidade que não tem descendência europeia: são brasileiríssimos, pelo menos é isso que todos sabem.
Álex é biólogo e farmacêutico, profundo conhecedor de plantas e fabricante de remédios da medicina homeopática, proprietário de uma pequena farmácia que atende a todos do lugar.
Wilma é médica, clínica geral. Atende a população inteira da cidade com uma incrível gentileza e jamais perdeu um paciente por óbito.
Ambos, como não poderia deixar de ser são muito queridos na cidade.
Um certo dia apareceu em Lagoa Bonita uma jornalista, bonita que fora mandada por um grande órgão da mídia para fazer uma reportagem sobre a longevidade das pessoas do local. Seu nome era Amanda.
Logo a moça começou a entrevistar as pessoas, a visitar prédios antigos, lojas, e, é claro, a única farmácia homeopática do local, onde conheceu Álex, o proprietário e sua esposa Wilma que tinha seu consultório justamente no mesmo prédio. Tudo muito simples, mas muito bem organizado e incrivelmente limpo.
Amanda, sempre gentil e sorridente, afinal precisava ganhar a confiança dos habitantes do lugar, procurou conquistar a amizade do casal Álex e Wilma haja vista que, ao que parecia, conheciam toda a população local. Nada mais útil.
Sendo assim, em pouco tempo, Amanda já fazia parte do círculo mais próximo de amigos do casal e, em um jantar em sua pequena e modesta casa, conjugada à farmácia/consultório, no qual a refeição fora regada a um vinho delicioso (produzido ali mesmo) a moça perguntou há quanto tempo moravam em Lagoa Bonita.
– Moramos aqui há bastante tempo. Não verdade, nem me lembro mais quando foi que chegamos aqui. – Respondeu Wilma sempre com um sorriso amigável no rosto.
Bem, pensou Amanda, não poderia ser tanto tempo porque, afinal, o casal não era tão velho assim.
A jornalista acabou se interessando, em particular, pelo dois e começou a fazer perguntas pela cidade. O que a deixava incomodada era o fato de que ninguém sabia, ao certo, quando aquele casal tinha chegado à cidade, sabiam, isso sim, que eram muito educados, ajudavam a todos e estavam sempre sorridentes e de bem com a vida.
Em frente à modesta residência de Álex e Wilma (o casal não tinha filhos) havia dois pés de Ginkgo Biloba. Árvores grandes e frondosas.
Alguns diziam que deveriam ter algumas centenas de anos. O fato é que, dizem os moradores, sempre estiveram ali.
Após alguns dias de muita pesquisa, entrevistas, fotos, incursões pelas florestas, muita meditação à beira da belíssima lagoa, a jornalista resolveu voltar para a sua cidade e, na redação, preparar alguma matéria que tentasse justificar a longevidade das pessoas da cidade.
E, de fato, foi o que ela fez. Redigiu uma bela matéria sobre o assunto, atribuindo a vida longa dos moradores de Lagoa Bonita, como sempre faziam aqueles que tentavam explicar o fato, às condições de vida, clima, paz, etc. que ali havia.
Nem uma palavra sobre Álex, Wilma ou o Ginkgo Biloba.
Mais alguns anos se passaram e, em Lagoa Bonita, nada mudava, exceto por um pequeno detalhe que passava desapercebido a todos, ou melhor, a quase todos.
Em frente à farmácia, residência e consultório de Álex e Wilma morava um senhor idoso, longas barbas brancas e cabelos igualmente brancos, mas, impecavelmente, muito bem cuidados.
Todos os dias ele cumprimentava o casal que respondia com gestos e palavras amigáveis. Nunca passava disso. Anos a fio aquilo se repetia.
Seu nome era Athor, de origem dinamarquesa e que vivia ali, naquela casinha há mais de oitenta anos.
Ele era a memória viva da cidade. Conhecia todos e sabia de tudo.
O detalhe que ninguém, exceto Athor, notava era que os dois pés de Ginkgo Biloba estavam secando, aparentando deterioração, mas, isso parecia normal a todos os moradores, afinal, tudo envelhece e morre.
Normal para todos, mas não para Athor. Ele era o único que percebia que, junto com os pés de Ginkgo Biloba, também Álex e Wilma começavam a dar sinais de cansaço e envelhecimento.
O processo se acelerou vertiginosamente e, dentro de alguns meses, os dois, outrora belos, pés de Ginkgo Biloba eram duas árvores mortas, em pé.
A farmácia amanheceu fechada em plena segunda-feira. A médica não apareceu em seu consultório e o casal nunca mais foi visto na cidade.
Athor aproximou-se das duas árvores, agora mortas, e depositou aos pés de cada uma, alguns ramos de flor-de-lótus brancas.
Em toda a cidade de Lagoa Bonita ainda existem muitas árvores de Ginkgo Biloba e seus habitantes continuam vivendo mais de cem anos.
THAÍS
O celular toca suavemente e uma mão delicada, de longas unhas muito bem tratadas, pintadas com um chamativo esmalte vermelho, apanha-o e o leva até o ouvido da bela loura.
A jovem joga os longos e sedosos cabelos para o lado e, calmamente, diz:
– Alô!
– Gostaríamos de falar com a Drª. Thaís de Albuquerque, por favor.
– Está falando.
– Aqui é da High Mountain Investments Company. Queremos informar-lhe que foi aprovada na entrevista para o cargo de Gerente de Negócios para o Brasil. Gostaríamos que comparecesse amanhã, às 09,00 h, na sede de nossa empresa, por favor.
– Claro. Muito obrigada!
Com um sorriso de felicidade, Thaís colocou o seu celular na bolsa de marca, pegou as chaves de seu carro e saiu. Precisava ir ao salão de beleza, afinal, tinha que causar uma ótima primeira impressão naquele que era o emprego dos sonhos para a jovem que, recentemente, concluíra o doutorado em Economia em uma das melhores Universidades do Planeta.
No dia seguinte, pontualmente às 09,00 h, vestindo um elegante tailleur azul claro, Thaís se apresenta ao Diretor de Negócios para o Brasil da multinacional. De fato, causa uma ótima impressão.
Fluente em diversos idiomas, com uma formação acadêmica invejável e uma alta performance quando requerida a inteligência emocional, a moça logo começa a adquirir a confiança dos seus superiores. Desmancha-se em gentilezas e mimos, trabalha até muito tarde todos os dias e está sempre com um sorriso nos lábios, pronta para esbanjar simpatia. Com os subordinados, no entanto, a moça parece outra pessoa. É ríspida, não admite erros e cobra tudo a cada minuto do dia. Cada trabalho feito por um dos seus funcionários é criticado e, jamais alguém, a não ser, é claro, que seja um dos diretores do grupo, recebe, dela, um elogio.
Thaís tem outros planos.
O diretor para negócios para a América do Sul é um jovem de pouco mais de trinta anos, extremamente dedicado ao serviço e, também de excelente formação profissional. Allan é o seu nome e ele é muito bem visto por todos os diretores.
Thaís não gosta dele. Ela quer o seu cargo.
Bolando um ardiloso e sujo plano, a jovem começa a inventar fofocas em relação ao talentoso Allan e, como uma mentira contada mil vezes se transforma em verdade, a situação de Allan se complica a tal ponto que a diretoria se vê forçada a demiti-lo e, naturalmente, como já vinha se insinuando há muito tempo, Thaís é convidada para assumir o cargo.
A jovem, a princípio, mostra-se satisfeita com o que tem. Agora precisa viajar com muita frequência, mas, após algum tempo, eis que a ambição novamente começa a atiçar o seu ego. Ela, novamente, busca uma posição mais alta e, para consegui-la, não hesitará em pisar em qualquer um que esteja em seu caminho. Novamente a moça com suas intrigas e gentilezas corretamente direcionadas vai galgando postos na High Mountain Investments Company e, alguns anos mais tarde, ela se vê trabalhando em Wall Street como uma das principais executivas do grupo, membro da diretoria internacional. Nova York, agora, é a sua cidade.
Tudo, no entanto, tem um preço e, algumas vezes, a conta chega sem nem sequer percebermos.
Thaís, agora, já tinha quarenta anos e algo começou a despertar em seu interior. Uma coisa em que ela jamais havia pensado, nunca lhe dedicara um só segundo de sua vida, mas que, ultimamente, vinha lhe aflorando ao pensamento com incrível frequência: a maternidade.
É claro que, ao longo de sua vida, ela teve diversos relacionamentos amorosos, mas sempre deixava os parceiros à beira da estrada quando percebia que eles não serviriam como degraus para atingir os objetivos e planos que traçara em sua vida. Agora, no entanto, era diferente. Via-se só, sem ter um vínculo afetivo com nenhum homem e as rugas começando a lhe aparecer no rosto.
Havia Edgar, um economista que trabalhava no mesmo andar que ela que e já lhe tinha dirigido alguns olhares há algum tempo, mas, ora, ele era apenas um economista, isso não lhe traria nenhuma vantagem profissional.
Sendo assim, ela começou a procurar um parceiro que estivesse, digamos, à sua altura. O problema era que ninguém, na opinião da moça, estava nessa condição. E ela desprezava todos os pretendentes, um após o outro.
O desespero chegou e Thaís já não ostentava a beleza e o charme de alguns anos atrás e, por isso, já não chamava tanto a atenção como gostaria, mas, isso era só porque os homens que ela atraía não serem do “quilate” que ela pretendia e, sendo assim, ela começou a se achar infeliz e feia, muito embora continuasse muito bonita.
Bem, ainda havia Edgar. Thaís, então, mesmo a contragosto, decidiu dar uma chance ao rapaz, afinal, o presidente da empresa era casado e muito bem casado.
Aos quarenta e cinco anos, portanto, Thaís subiu ao altar com Edgar. A ansiedade por um filho era tanta que ela não escondeu do seu, agora, marido.
O destino, no entanto, costuma pregar peças e Thaís, simplesmente, não conseguia engravidar. Aos quarenta e cinco anos, ou até mais, muitas mulheres conseguem gerar uma criança em seu ventre e dar à luz sem maiores problemas, mas, com Thaís, não acontecia nada.
A jovem, é claro, no primeiro momento culpou o marido.
Consultado um especialista Edgar foi declarado em perfeitas condições de saúde e apto para fecundar uma mulher sem nenhuma contraindicação.
Sendo assim, só restava a Thaís procurar, também, um especialista.
A resposta foi dura: a sua capacidade de produção de óvulos tinha diminuído drasticamente e, o que era pior, mesmo aqueles que ela ainda produzia tinham sérios defeitos em seu cromossoma e, por isso, mesmo que ela engravidasse, a possibilidade de abortos espontâneos era altíssima. Para completar o desespero da mulher o médico ainda proferiu a frase que a perseguiria pelo resto da vida: “se você tivesse tentado alguns anos mais cedo certamente teria engravidado sem nenhum problema”.
Com esse diagnóstico a vida da outrora audaciosa e talentosa economista começou a andar para trás.
Thaís tornou-se dispersa, a depressão tomou conta de sua vida, uma grande tristeza invadiu o seu coração e ela já não conseguia se concentrar no trabalho.
Como consequência, foi demitida da empresa e, hoje, vivendo das economias que fez ao longo da vida, ainda consegue levar uma vida materialmente confortável.
Todas as tardes ela vai a um parquinho próximo ao condomínio de luxo em que mora e fica observando as criancinhas brincando com suas mães, correndo pra lá e pra cá, caindo levantando, chorando e sorrindo.
Thaís olha para uma menininha lourinha, de cachinhos e trancinhas e não pode deixar de pensar:
“Como eu gostaria que você fosse minha filha”!
Implacavelmente, algumas lágrimas começam a descer pelo seu rosto.
O BOTO
São Gonçalo do Rio Abaixo é um lugarejo perdido no meio da floresta amazônica. Não é exatamente um município, mas o povo de lá vive dizendo que “São Gonçalo é minha cidade”, “eu nasci em São Gonçalo”, essas coisas que demonstram o orgulho que o povo sente do seu lugar, sua terra natal.
É um povoado pequenino com pouco mais de cento e vinte pessoas, mas tem uma característica muito interessante: é um lugar de mulheres bonitas. As moças do povoado costumam ser morenas, cabelos longos abaixo da cintura, negros como uma noite sem luar e lisos como as águas do rio Cariaí, palavra indígena que significa belo e elegante. Foi nesse rio que alguém se inspirou para colocar o nome do lugar, mas isso foi há muito tempo, há tanto tempo que ninguém se lembra mais.
O que as belas moças do lugar não esquecem é a história do rapaz bonito, conquistador, excelente dançarino e de voz mansa e agradável que costuma aparecer nas festas tradicionais. Todo mundo conhece a história, e, sempre que acontece uma festa popular na cidade, dessas do tipo São João, todos os Santos, Dia de Reis, etc. ele aparece. É só a sanfona começar a tocar que as moçoilas do lugar já ficam esperando ele aparecer. E ele vem. Sempre vem.
Foi assim, na última festa de São João.
Quitéria estava toda bonita!
Tinha colocado um vestido cor de rosa com um lacinho na cabeça, um cinto vermelho na cintura e um sapatinho que era uma joia, de cor vermelha pra combinar com o cinto. Caprichou na maquiagem e colocou uns brincos dourados, vistosos, bem grandes.
Tião chegou todo faceiro e convidou a moça pra dançar a quadrilha, mas ela não quis. “Tava esperando uma pessoa”.
Tião saiu, sem graça. Pra ele a festa acabou ali. Para um rapaz de São Gonçalo, receber um “não” de uma moça como resposta a um convite para uma dança era uma humilhação muito grande e Tião se recolheu num canto e se danou na cachaça. Também, fazer o que?
Quitéria tinha ouvido a história da boca de Aparecida e de Maria Joana. Todas duas tinham tido um encontro com um rapaz bonito, vestido de branco que apareceu de repente e convidou as duas pra dançar. Uma de cada vez, é claro.
A noite foi passando e Quitéria tava num pé e noutro, angustiada porque o seu príncipe encantado não tinha aparecido ainda.
Mas ele chegou.
Andar maneiro, chapéu branco com a aba baixa de tal forma que encobria o rosto. Aproximou-se de Quitéria e, com uma voz de conquistador, perguntou:
– A bela senhorita me concede a imensa honra dessa dança?
Tremendo do jeito que estava, Quitéria não disse nem sim, nem não. Apenas estendeu a mão esquerda para o sujeito que, educadamente, beijou-a e conduziu a jovem para o meio do salão.
Ele dançava que era uma maravilha e Quitéria não deixava por menos! Acompanhava o jovem em todos os passos.
Quitéria notou que ele tinha um nariz grande, desproporcional até, mas, ora, quem estava ligando pra nariz naquele momento?
Em pouco tempo as pessoas pararam para admirar aquele belo casal dançando com desenvoltura e magia no salão.
Aparecida e Maria Joana também estavam no salão. De pé, num canto, cochichando o tempo todo. Demonstravam claramente que estavam se roendo de inveja. Afinal, elas conheciam aquele rapaz muito bem, de outras festas.
Lá pelas tantas da noite o rapaz convidou Quitéria pra respirar um pouco de ar fresco, afinal, estava fazendo muito calor dentro do salão.
Quitéria concordou sem pestanejar. Sem ela perceber ele a foi conduzindo em direção ao rio. Caminhando devagarinho, falando mansinho, de vez em quando dava um cheirinho no cangote da bela morena que ficava toda arrepiada.
Sem perceber, Quitéria estava dentro do rio com o rapaz e foi ali que tudo aconteceu.
Após umas duas horas dentro d’água, Quitéria se lembrou que não sabia nem o nome do belo acompanhante e, então, perguntou:
– Quem é você? Como é o seu nome?
– Eu sou de Caraí e o meu nome é Boto. – Respondeu o rapaz desaparecendo nas calmas águas do rio.
Quitéria saiu da água e percebeu que, na margem, estavam Aparecida e Maria Joana, as duas com uma barrigona de seis e oito meses de gravidez. Só então ela se lembrou que as duas tinham dito que os meninos que elas carregavam na barriga eram filhos do mesmo rapaz misterioso que elas tinham conhecido numa festa.
A VITÓRIA RÉGIA
Às margens do rio Amazonas, vivia uma pequena tribo de índios. Pacatos, dedicavam-se somente à caça e à pesca sem se preocuparem com guerras ou agressões por parte de outras tribos porque não tinham inimigos.
O pajé Uruá era um homem sábio, conhecedor dos segredos das plantas e valia-se desse conhecimento para ajudar a todos. Índios de quaisquer tribos vizinhas vinham buscar auxílio com ele nos casos das diversas enfermidades comuns na região amazônica.
Uruá atendia a todos com a mesma atenção e sempre conseguia a cura para aqueles que o procuravam. Isso trazia respeito para ele e sua tribo, razão porque não precisavam se preocupar com guerras.
Havia uma tradição na aldeia que consistia em entoar cânticos e realizar danças em homenagem a Jaci, a lua. Sempre que ela se mostrava por inteiro, em lua cheia, a aldeia fazia uma festa muito animada.
Naiá, a mais bela índia da tribo, tinha uma admiração muito especial por Jaci e o seu maior sonho era poder encontrar-se com ela, de perto, para lhe dar um beijo ou, talvez, deixar-se levar para nunca mais voltar, desfrutando, dessa forma, para sempre, da companhia tão almejada de Jaci.
Os mais velhos contavam estórias em volta das fogueiras. Diziam que, de vez em quando, Jaci descia à terra e escolhia uma índia para transformá-la em estrela. Naiá sonhava com o dia que seria escolhida por Jaci e, assim, ser a estrela mais brilhante do céu. Ficava horas e horas olhando para Jaci e nas noites em que o céu ficava estrelado imaginava-se como a maior estrela do firmamento.
O desejo de Naiá era tão grande que ela acreditava que, nos momentos em que Jaci ia descendo no horizonte, se ela fosse bastante rápida, poderia alcançá-la e, então, oferecer-se para ser transformada em estrela. Quem sabe Jaci a aceitaria?
Em uma noite em que Jaci se mostrava linda como nunca, Naiá decidiu que, daquela vez, iria ao seu encontro no horizonte para tentar realizar o seu sonho de se transformar em uma estrela.
À medida que Jaci ia descendo no horizonte Naiá ia ao seu encontro e, quando ela achou que daria para alcança-la saiu correndo em disparada em sua direção.
No meio do caminho havia um igarapé e Naiá viu, nele, o reflexo de Jaci. Inocentemente, a bela índia achou que ali estava ela, finalmente, e que, agora, poderia se jogar em seus braços e pedir para ser transformada em estrela.
Mas o igarapé era muito profundo e Naiá acabou morrendo afogada.
Jaci, percebendo aquilo, compadeceu-se pelos sentimentos da jovem índia e, em um gesto de agradecimento, transformou-a na bela flor da Amazônia chamada Vitória Régia.
O dia seguinte passou e os demais índios da tribo de Naiá, sentindo sua falta, saíram à sua procura.
Chegaram ao igarapé onde Naiá tinha se afogado e perceberam a bela e estranha flor. Ficaram intrigados, até que, com a chegada da noite, a bela Vitória Régia abriu suas pétalas sob a luz de Jaci.
Uruá, que estava presente, em um momento de oração teve uma visão que lhe mostrava que, ali, estava a bela índia Naiá que, finalmente, transformara-se em uma estrela, a mais bela de todas as flores da Amazônia. E, então, avisou aos demais índios da tribo que, quando quisessem falar com Naiá, fossem até o Igarapé, durante a noite, que ela estaria ali, esperando por todos.
Até hoje, em noites de lua cheia, a bela Vitória Régia abre suas pétalas oferecendo um espetáculo de beleza a todos que estiverem presentes.
IARA
Há muitos e muitos anos, havia uma tribo em um local remoto, às margens do rio Amazonas, formada por valorosos guerreiros e belas índias. Tão belas que a fama daquelas mulheres corria a floresta.
Entre elas, a mais bonita e formosa era IARA, jovem de longos cabelos negros abaixo da cintura e olhos da cor de mel. Seus lábios vermelhos e carnudos pareciam atrair os homens que a vissem, mesmo que de longe.
IARA teve muitos pretendentes, mas nenhum deles preenchia os requisitos que ela exigia. Os índios, desgostosos, muitas vezes decidiam acabar com a própria vida jogando-se nas profundas águas do rio ou partindo, sozinhos, em suas canoas, para uma viagem sem volta.
O tempo foi passando e IARA se aproveitava cada vez mais de sua beleza para dominar os homens que dela se aproximavam.
Juti era o mais valente guerreiro da tribo e se apaixonou perdidamente por IARA que, sabendo disso, passou a se exibir todos os dias na frente do jovem sem, no entanto, dar-lhe qualquer esperança de um relacionamento sério.
Juti caçava e lhe oferecia os melhores pedaços da caça. Pescava e lhe oferecia os melhores pescados. Colhia para ela as mais saborosas frutas da Amazônia, mas a bela índia não queria saber do jovem caçador.
Desgostoso, por ver que o seu amor não era correspondido, Juti mandou avisar a bela IARA que se ela não lhe desse uma oportunidade ele acabaria com a própria vida como já haviam feito muitos jovens guerreiros como ele.
Mas IARA tinha o coração duro e sequer lhe deu uma resposta.
Sendo assim, o jovem guerreiro decidiu oferecer a sua vida a Uruen, o deus das profundas águas do rio Amazonas e mergulhou para nunca mais voltar.
Todos os demais índios da aldeia foram procurar o corpo de Juti nas águas do rio, mas ninguém o encontrou. A única pessoa que não se compadeceu por Juti foi, justamente, a linda IARA.
Uruen, vendo que a jovem tinha muita maldade no coração, resolveu castigá-la.
Um dia, quando a bela índia banhava-se nas águas do rio Amazonas, sob a luz do luar, ele a transformou em uma sereia, peixe da cintura para baixo e mulher da cintura para cima e lhe disse que, assim como todos os pretendentes que ela desprezara terminaram seus dias nas profundezas de suas águas, ela também estava condenada a ali permanecer para sempre.
IARA não se conformou com aquilo e, sempre que um guerreiro banha-se nas águas do grande rio em noites de lua cheia, ela aparece.
Primeiro com um belo cantar que enfeitiça o rapaz. Depois, aproxima-se dele e, com um apaixonado beijo, leva-o para o fundo do rio de onde ele jamais voltará.
Muitas gerações se passaram e a história de Iara e Juti é sempre contada para os mais jovens quando os anciãos sentam-se em volta de uma fogueira.
Agora mesmo, nesta bela noite de lua cheia, estando às margens do magnífico rio amazonas onde me preparo para um suave banho em suas águas, me detenho, pois escuto um suave e encantador som vindo das profundezas de suas águas.
É uma bela voz feminina que entoa uma canção chamativa e apaixonada convidando-me para um mergulho a dois.
Pensando melhor, decido que prefiro deixar o banho de rio para uma outra ocasião.
O PADRE E O CAMINHONEIRO
Em um pequeno lugarejo, perdido no meio do sertão do nordeste do Brasil, uma família luta desesperadamente para sobreviver.
O lugar chama-se Canoa Perdida e é ali que vivem João, Josefina e Henrique. Pai, mãe e filho que formam a família Correia. O menino tem apenas 13 anos e ajuda o pai em todos os trabalhos na lavoura e caçadas com o que a família se mantém e consegue não passar fome.
O jovem Henrique ainda ajuda a mãe Josefina com as tarefas domésticas e, a mais difícil delas é conseguir água para as necessidades caseiras.
A três quilômetros de distância fica uma cacimba, que, na verdade, é um velho poço que, para a sorte da família nunca secou.
Todos os dias o menino sela “Carioca”, um jumentinho que ajuda a família há anos transportando algumas latas de água e levando e trazendo produtos para a lavoura de João. Ali ele planta milho, mandioca, feijão, alguns legumes e tomate.
A chuva é a coisa mais incerta que pode existir naquela região, de tal modo que a família depende totalmente da cacimba que, não se sabe como, existe ali naquela região “desde sempre”.
O menino Henrique, apesar de analfabeto como os pais, tem, digamos, um hobi, um pequeno passatempo, que é desenhar.
Uma vez um caminhão quebrou justo na frente do casebre da família Correia e, inexplicavelmente, o garoto se interessou pela mecânica do veículo, sem jamais ter visto um de perto e, para surpresa de todos, ajudou o motorista a consertar o motor dando, inclusive, algumas dicas valiosas para o homem.
O motorista vendo a habilidade do garoto e a facilidade que ele tinha com a mecânica e, diante a vida difícil que a família tinha, propôs aos pais levar o menino consigo prometendo que faria com que ele estudasse.
Os pais não quiseram e Henrique também não. Disse que seu lugar era ali em Canoa Perdida.
O motorista do caminhão, muito agradecido, procurou alguma coisa para dar à família e encontrou alguns mantimentos e uma caixa de lápis de cores e uma boa quantidade de folhas de papel em branco.
O menino não cabia em si de felicidade quando recebeu os lápis e as folhas de papel. Parecia que ele estava esperando por aquele presente há muito tempo.
O tempo passou, aquele motorista nunca mais voltou por aquelas bandas e Henrique passou a fazer os seus desenhos nas horas vagas que tinha, normalmente à noite, à luz de lamparinas a querosene ou mesmo sob a luz da lua.
Os pais ficavam intrigados com as coisas que o garoto desenhava. Eram objetos que ele nunca tinha visto e, o mais intrigante era uma pequena igreja que ele desenhava, mostrando mínimos detalhes, até mesmo a imagem de uma cruz na faixada do prédio e uma pequena escadaria que levava ao interior do santuário.
Desenhava os bancos, o confessionário, o teto e até o altar.
Os pais olhavam para os desenhos e perguntavam para o filho onde ele tinha visto aquilo e ele simplesmente respondia que já tinha visto muitas vezes aquela igreja com tudo o que ele registrava em seus desenhos que não eram simplesmente rabiscos, mas verdadeiras gravuras com uma riqueza de detalhes impressionante.
A família Correia não tinha vizinhos em um raio de mais de vinte quilômetros e, igreja só havia em Parinhos, uma cidade a setenta quilômetros dali e onde Henrique nunca estivera, mas, ele desenhava a igreja detalhadamente.
O tempo foi passando e, agora, após quatro anos sem chover, parecia que a meteorologia ia mudar e uma grande tempestade se anunciava no horizonte.
Ao anoitecer os relâmpagos e trovões começaram e uma chuva, a princípio fininha, começou a cair sobre a casinha dos Correia.
Só que a chuva foi aumentando e logo começou um vendaval que entrou noite a dentro e durou o dia inteiro, forte como nunca tinha acontecido naquela região.
Inacreditavelmente, devido a tanta água, um riacho começou a se formar a algumas centenas de metros de distância da casa da família e a chuva, cada vez mais forte, ia transformando o que, a princípio era apenas um curso d’água em um rio com uma correnteza considerável.
A tempestade durou o dia e a noite inteira e, finalmente, ao amanhecer do terceiro dia, o sol voltou a aparecer.
Canoa Perdida não era mais a mesma.
Toda a paisagem tinha se transformado e a casinha, como que por milagre, se manteve de pé.
Curiosos, os três saíram de casa para explorar as proximidades.
De repente, lá estava ela.
Uma construção de pedra, com uma cruz no topo, uma pequena escadaria levando para a entrada que, agora, já não tinha mais a porta. Todo o resto da construção estava inexplicavelmente intacto, até mesmo alguns bancos de madeira e, principalmente, o altar.
A chuva, a correnteza e o forte vendaval, desenterraram o prédio por completo mostrando o que, um dia, fora uma pequena igreja.
Os pais de Henrique reconheceram naquela construção os desenhos que o menino fazia e, sem saber o que dizer ou o que fazer, ficaram apenas olhando o seu filho entrando naquele prédio como se o conhecesse há muito tempo.
Henrique olhou para os pais e disse: este é o meu lugar e esta é a minha igreja. Vou trabalhar até que ela fique pronta de novo.
Pegando a mãe e o pai pelas mãos levou-os até um canto perto do altar e mostrou uma sepultura onde estava escrito Padre Henrique de Castro, 1775 a 1813. O sacerdote tinha morrido ali aos trinta e oito anos de idade.
– Eu fui o padre desta pequena capela e fui morto por homens que saquearam o altar levando as imagens da minha igreja. Estou enterrado aqui e é a minha missão dar vida novamente a este lugar.
O pai, assustado, perguntou:
– Como você sabe disso, meu filho?
– Fiquei sabendo no momento em que aquele caminhoneiro parou em nossa casa com o carro quebrado.
Foi ele quem enterrou o meu corpo aqui.
A MANDIOCA
Há muitos e muitos anos, uma determinada região da Amazônia passava por um severo período de estiagem. Normalmente úmida e com um dos maiores índices pluviométricos do planeta, aquela área, agora, vivia sob uma seca terrível que matava animais e plantas e espalhava a fome entre os índios que ali viviam. Árvores centenárias secavam a olhos vistos e morriam mesmo em pé. Carcaças de animais selvagens eram encontradas próximas a lugares onde, antes, corriam alegres igarapés onde viviam milhares de peixes. Ali, a abundância era comum. Jamais, em tempo algum, houvera uma situação de penúria e desespero como aquela.
Havia uma menininha na tribo chamada Mani. Graciosa e sorridente, era neta do cacique Aluan, muito querido por todos na tribo por ser um homem justo e muito preocupado com o bem-estar geral.
Mani gostava de brincar na aldeia com os outros indiozinhos e era amiga de todos os pássaros e animaizinhos da floresta, enfim, todos ali gostavam dela e, mesmo apesar de toda aquela situação de seca e de fome na aldeia, os adultos não deixavam que a menina sentisse fome ou sede e, do pouco que conseguiam sempre levavam alguma coisa para Mani se alimentar.
Um dia, sem nenhuma explicação, Mani, mesmo sem aparentar nenhuma doença faleceu repentinamente.
Os índios ficaram muito tristes e, segundo a tradição de sua tribo, enterraram o corpo da pequena Mani na própria oca em que vivia.
Virou costume, todos os dias, os índios irem à oca onde estava enterrada a menina para rezar por ela e, sempre, choravam sobre a sua sepultura.
Com o passar do tempo verificaram que uma plantinha estranha tinha nascido justamente no local onde estava enterrada a indiazinha. Deixaram que ela crescesse um pouco e, quando acharam que estava na hora certa, tiraram a planta para ver que espécie era aquela.
Os índios perceberam que se tratava de uma planta com uma grande raiz. Curiosos, decidiram cozinhar as raízes da plantinha, comeram e viram que era boa e saudável.
Começaram a replantar o vegetal por toda a aldeia e, em pouco tempo, havia alimento para todos porque a plantinha era bastante resistente à seca.
A partir daí, em homenagem à indiazinha Mani e ao local onde nasceu a plantinha, que tinha sido justamente a oca onde ela vivia e foi enterrada deram-lhe o nome de Manioca que, hoje, conhecemos como Mandioca.
Desde então, nunca mais houve seca ou fome naquela tribo indígena.
O ENCONTRO
Todos os dias Ronaldo cumpria um rigoroso ritual em sua vida.
Acordava às cinco horas, tomava um modesto café da manhã, pegava sua bicicleta e se dirigia para uma pequena colina que ficava a cerca de doze quilômetros de sua casa.
Ficava ali até o sol nascer como quem espera que algo venha com ele.
Lá pelas sete e meia da manhã ele voltava para sua casa pedalando sua “magrela”. Seu semblante era triste, ele parecia decepcionado com alguma coisa.
Chegava em casa e Lucinda não lhe perguntava nada. Não era necessário. Ela sabia o que se passava na cabeça de seu marido.
O casal, ambos na faixa dos seus cinquenta e poucos anos, não tinha filhos. Viviam em uma região rural, próximo a uma pequena cidade de vinte mil habitantes aonde só iam quando precisavam comprar alguma coisa.
Tinham algumas poucas cabras, galinhas, duas vaquinhas e uma pequena roça que ocupava o dia inteiro de Ronaldo.
A vida ia passando, a rotina se repetia diariamente e a tristeza do homem parecia não ter fim.
No passado um fato muito importante tinha acontecido ali, naquele lugar isolado, pelo menos era isso que o casal sustentava para todo mundo.
Ronaldo e Lucinda afirmavam que tinham visto e conversado com seres extraterrestres que os tinham visitado amigavelmente em uma ensolarada manhã de domingo.
O casal estava em casa e, repentinamente, observaram um forte clarão por trás da colina que Ronaldo visitava todos os dias.
Cada um pegou a sua bicicleta e foram ver do que se tratava.
É verdade que não tinham ouvido nenhuma explosão, mas – quem sabe? – um avião poderia ter caído ali e eles simplesmente não tinham ouvido nada. Mas viram. Disso tinham certeza.
Ao chegar ao local quase morreram de susto com o que se depararam.
Era uma grande nave espacial, redonda como um prato, brilhante e muito iluminada.
Quatro seres saíram dela e foram ao encontro do apavorado casal.
Não se ouvia nenhum som, mas Ronaldo e Lucinda entendiam tudo o que um dos visitantes queria. Na verdade, eles se comunicavam por telepatia e, lendo os pensamentos dos dois, antes mesmo que dissessem alguma coisa, a resposta já vinha dos estranhos seres que tinham uma aparência diferente, não se pareciam com humanos, a cabeça era um pouco ovalizada, olhos graúdos e de um azul intenso. Não tinham orelhas, mas, no resto, eram como nós. Tinham boca e nariz de tamanho proporcional às suas cabeças. Tinham em torno de um metro e noventa de altura.
E sorriam amistosamente para o casal!
Travou-se, ali, um estranho e silencioso diálogo.
– Olá, não tenham medo pois viemos em paz e somos seus amigos. – disse um dos visitantes.
– Quem são vocês? De onde são? O que querem? Vão nos machucar?
A apreensão de Ronaldo era visível, mas, a todo instante, “eles” procuravam tranquilizar o casal.
– Não se preocupem! Temos observado o seu planeta e o seu modo de viver e gostaríamos apenas que vocês levassem uma mensagem para as autoridades de sua cidade.
-Sim! Digam do que se trata.
– Avisem-nos que a possibilidade de uma guerra nuclear está cada vez mais evidente e, se isso acontecer, será uma grande catástrofe para o planeta terra e, também, para grande parte do sistema solar porque as radiações serão intensas, vão durar milhares de anos e atingirão outros planetas próximos de vocês, que são habitados e cujas existências sequer são do conhecimento de seus cientistas.
– No momento – continuou o ser de lindos olhos azuis – não vemos possibilidade de um contato nosso com suas autoridades pois estamos certos de que nos receberão com hostilidade e, só por esse motivo, ainda não nos aproximamos, mas nós os visitamos há milhares de anos. Lamentavelmente alguns dos seus mandatários estão trilhando para esse destino de uma guerra nuclear que será prejudicial a todos.
Dito isso, sempre com um amigável sorriso no rosto, os quatro deram meia volta e entraram em sua espaçonave que decolou verticalmente e desapareceu em questão de segundos.
Ronaldo e Lucinda, é claro, ficaram um bom tempo estupefatos com o que tinha acabado de acontecer até que se deram conta de que tinham uma missão a cumprir: precisavam avisar as autoridades.
De fato, dirigiram-se à cidadezinha, sempre de bicicleta, e foram imediatamente à delegacia de polícia.
Infelizmente, como já era de se esperar, foram recebidos com zombarias e ninguém lhes deu nenhum crédito, ou melhor, quase ninguém.
Um senhor idoso, com seus oitenta anos, cabelos abundantes e brancos como as nuvens, um discreto sorriso no rosto, algumas rugas e um jeito amistoso de falar que estava ali apenas porque fora levar um lanche para a sua neta, Jane, que era policial e saíra cedo de casa – eles moravam juntos em uma simpática casinha branca no centro da cidade – se aproximou do casal e lhes disse:
– Podemos conversar um pouco mais sobre isso?
Sem saber direito o que dizer ante a decepcionante recepção que tiveram na delegacia, Ronaldo aceitou o convite do homem que se chamava Elói e saíram do prédio.
Dirigiram-se para uma pequena pracinha e ali, sentados em um banco, Ronaldo e Lucinda lhe contaram tudo o que tinha acontecido.
– Eu acredito em vocês. – disse o velho.
– Obrigado! – respondeu Lucinda – mas o que vamos fazer agora se ninguém acreditou em nós? Só o senhor!
– Eu entendo a sua decepção, mas vamos torcer que uma solução vai aparecer.
A partir daquele dia, o velho Elói passou a visitar o casal Ronaldo e Lucinda em sua casa no campo e acabaram muito amigos.
Elói costumava confortar o casal sobre o que tinha acontecido dizendo-lhes que, se os extraterrestres nos visitavam há tempo, eles certamente teriam um plano para evitar que uma catástrofe acontecesse.
Dessa forma, a vida do casal prosseguia em sua rotina que só era quebrada quando as agradáveis visitas de Elói, que às vezes vinha acompanhado de sua neta, Jane, aconteciam. De resto, Ronaldo continuava a ir, todos os dias, sempre pela manhã, à colina na esperança de que, um dia, seus amigos de outros planetas voltassem.
E eles voltaram!
O casal estava cuidando de suas tarefas diárias em seu pequeno sitio quando, novamente, aquele clarão se repetiu.
O casal não precisou dizer nenhuma palavra um ao outro.
Pegaram a sua bicicleta e rumaram para o local.
Uma grande surpresa os esperava.
A nave estava lá, iluminada como nunca, os mesmos quatro personagens do evento anterior estavam, mas, desta vez, eles tinham companhia.
Ao lado dos visitantes estavam Elói e Jane e eles o chamaram com um largo sorriso no rosto.
Ronaldo e Lucinda estavam perplexos. O que era aquilo? Por que Elói e sua neta estavam lá.
– Venham aqui amigos! – desta vez Elói se comunicava com eles, mas por telepatia.
Então, tudo se esclareceu. Elói e Jane eram, também, extraterrestres.
– Não se preocupem! Nós lamentamos que não lhes tenham dado ouvidos, mas estamos vigilantes e não deixaremos que nenhum maluco deflagre uma guerra nuclear.
Lentamente as fisionomias de Elói e Jane foram mudando e, ante os olhares de Ronaldo e Lucinda, assumiram suas fisionomias normais de extraterrestres.
Deram-lhes de presente uma pedra verde, de um brilho intenso e lhes disseram:
– Isso é um dispositivo de comunicação e só funcionará se for ativado pelas suas vozes. Se algum dia precisarem verdadeiramente de ajuda, podem nos chamar e nós viremos.
Após isso, sempre sorridentes, deram meia volta, entraram em sua nave espacial e, a uma velocidade, inacreditável, desapareceram.